#Transcrição EP 74 – Precisamos de leis para doar mais?

Artur: Se você já ouviu esse podcast, você sabe que ele é sobre cultura de doação. Pró e não contra, né? E por isso, nós somos a favor de todas as formas de doação e o impacto que elas geram no quadro social, pelo mundo inteiro e por tanto, a gente também é a favor de mecanismos legais, mudanças na legislação que favoreçam a doação. 

 

Só que, infelizmente, não é sempre isso que a gente vê, principalmente aqui no Brasil. Já se sabe que temos por aqui uma legislação super complexa, que ainda cria uma série de barreiras tanto para quem quer doar como para as organizações do terceiro setor, desde tributos até uma enorme burocracia. Por isso tudo, não podemos deixar de frisar a importância da atuação do terceiro setor junto às nossas instituições e representantes políticos, por meio do advocacy. Só assim a gente consegue ser ouvido e fazer avançar questões importantes pro setor como um todo. Para aprofundar um pouco mais em tudo que envolve essa atividade, a gente tem aqui hoje a advogada Aline Viotto, especialista em advocacy focado no terceiro setor, área em que ela atuou durante boa parte da carreira.

 

Artur: Eu sou Artur Louback

 

Roberta: Eu sou Roberta Faria

 

Artur: E o advocacy é o tema de hoje no… 

 

Jogral: Aqui se Faz, Aqui se Doa!

 

Artur: Vamos dar início então a mais um episódio do Aqui se Faz, Aqui se Doa, o seu podcast semanal sobre cultura de doação produzido pelo Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, da Morro do Conselho Participações e da Ambev, e divulgação do Infomoney. 

 

Roberta: É, Artur, e acho que hoje um dos objetivos do programa é dar pra você ouvinte um pouco da dimensão da importância que tem a legislação para a cultura de doação. A gente fala muito de como captar, da responsabilidade das empresas, da responsabilidade individual dos cidadãos como doadores, mas é fato que em um ambiente colaborativo, um ambiente focado na colaboração precisa de atuação do Estado na forma de leis e mecanismos que incentivem e facilitem com que pessoas, empresas doem, que organizações recebam recursos. Essa é uma luta antiga do terceiro setor e que nunca acaba, apesar de termos conseguido alguns avanços relevantes nos últimos tempos, ainda há muito o que fazer quando a gente compara que mecanismos existem em outros países e todos os nossos desejos enquanto organizações da sociedade civil.

 

Artur: Uma delas é o fato de o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), o imposto que incide sobre heranças e doações, ser isento de pagamentos quando os recursos são doados para instituições de assistência social, saúde e educação. Mas as regras desse tributo variam de estado para estado, e ele segue sendo cobrado em outros tipos de doações.

 

Roberta: Aliás, todo esse processo de tributação é muito burocrático e confuso para as organizações da sociedade civil e para cada pessoa que vive no Brasil, porque cada estado  tem uma regra específica. A única coisa que a Constituição estabelece é que o teto da cobrança é de oito por cento sobre o valor da doação.

 

Artur: A gente também teve recentemente outros exemplos positivos de leis importantes para cultura de doação. Foi o caso da lei que regulamenta a criação de endowments, fundos patrimoniais usados para arrecadar e gerir doações de pessoas físicas e jurídicas para determinados projetos. Em 2021, o Ministério da Economia também reconheceu a profissão do captador de recursos, um profissional que hoje é essencial para sobrevivência e pro bom funcionamento de qualquer organização do terceiro setor. Todas as grandes ONGs têm figuras nessa função e, ainda bem, que ela foi regulamentada. 

 

Roberta: É, Artur, e a gente não pode esquecer do Dia de Doar, que tem entrado para o calendário oficial de vários municípios e estados pelo Brasil, uma data que traz cada vez mais resultados expressivos para o setor e que é muito legal ver ela sendo apropriada por câmaras de deputados e vereadores. 

Hoje também tramitam no Congresso algumas propostas de lei para impedir que os bancos venham a cobrar tarifas sobre doações feitas usando PIX, porque a proposta original do PIX não diferenciava, não diferencia as doações feitas para CNPJs privados ou de organizações do terceiro setor. Essa ferramenta  já causou uma pequena revolução na maneira de doar nos últimos anos e poupou as ONGs de custos com boletos que eram pesados, então é importantíssimo manter o PIX livre de cobranças para as ONGs. Isso tudo sem contar as leis que criam isenções tributárias ou incentivos fiscais para quem doa para causas como o combate ao câncer ou o apoio a idosos.

 

Artur: Acho que dar uma olhadinha nas experiências lá de fora também pode enriquecer a busca por leis mais justas e eficientes aqui em casa mesmo. Enquanto no Brasil a gente vem regulamentando cada vez mais as normas de doação de alimentos, lá nos Estados Unidos eles têm desde 2008 uma lei que incentiva órgãos executivos a doarem o excesso de comida para quem precisa, desde que dentro de uma margem de segurança sanitária. Uma outra questão curiosa foi uma mudança na lei francesa em 2017 sobre a doação de órgãos. Se antes a pessoa precisava expressar um desejo de doar seus órgãos antes da morte, ela passou a ter que se manifestar contra isso num registro oficial, para que a doação não aconteça após a morte.

 

Roberta: É, nesse caso a nossa lei já foi melhor e retrocedeu. 

Apesar de meio velhinho, os resultados do estudo global Rules to Give By, As Regras para a Doação, de 2014, dão uma ideia do mapa da legislação sobre doações no mundo todo. Segundo a pesquisa, 77% dos países oferecem algum tipo de incentivo para doações corporativas e 66% para doações individuais. E ter essas leis impacta diretamente a cultura de doação de um país. Tanto que um dos principais índices desse estudo mostra que as nações que têm uma legislação nesse sentido doam mais do que aquelas que não têm.

 

Artur: Como a gente já falou, o terceiro setor não tem papel passivo em todo esse processo de proposta e criação de leis. A gente tem movimentos e organizações que têm buscado há anos favorecer o surgimento de mecanismos favoráveis à essa cultura, como a ABCR, o Gife e o Movimento Por uma Cultura de Doação. E, claro, dentro de cada nicho de atuação, as próprias organizações buscam espaço no legislativo para favorecer suas causas. É o caso de organizações como a Todos Pela Educação, que trabalha no advocacy por políticas públicas no campo, o Instituto Alana, que tem foco em representar os direitos das crianças no congresso, entre tantas outras organizações e avanços sociais conquistados graças à atuação do terceiro setor.

Artur: Bom, e depois de todas essas ótimas informações, a gente pode tentar se aprofundar um pouco mais na atividade de advocacy em si. Ela é o tema principal do nosso episódio de hoje, mas será que você já entendeu bem o que é e como funciona?

 

Rafa Carvalho: Várias das causas que recebem apoio das Organizações da Sociedade Civil nascem de problemas sociais complexos e de grande impacto. Então, ao mesmo tempo que se tenta doar recursos para apoiar quem sofre hoje, o terceiro setor também deve ser ativo para solucionar essas mesmas questões com uma visão macro. E o advocacy, um termo de origem inglesa que aqui no Brasil também é conhecido como “incidência política”, é justamente uma atuação que busca essa mudança no sistema.

 

Portanto, advocacy quer dizer trabalhar ativamente pra influenciar a opinião pública e a formulação de políticas públicas, promovendo mudanças grandes e duradouras na sociedade. Agora você deve estar pensando: “Ah, então advocacy é a mesma coisa que lobby”. Bom, não exatamente.

 

Ainda que essas duas atividades busquem influenciar ou até criar políticas públicas voltadas para um determinado interesse, existem algumas diferenças importantes. O lobby — que não é nenhum bicho-papão como muita gente acha e pode sim ter um impacto positivo na sociedade — é uma pressão exercida por um grupo específico pra influenciar alguma esfera do poder público de acordo com seus interesses. Já o advocacy acontece em prol de uma causa maior. Ele busca, além de influenciar políticas públicas, conscientizar uma parte da população. Mais ou menos como foi quando várias ONGs se uniram em torno da criação da Lei Maria da Penha, lá em 2006. Enfim, são atividades parecidas, mas tem essas diferenças aí que são essenciais. Eu sou Rafaela Carvalho, e toda semana venho aqui pra te ajudar a desvendar um termo importante para a cultura de doação. Nos vemos na próxima!

 

Roberta: Valeu, Rafa! Acho que mais claro que isso, impossível. Agora que a gente já tem bem mastigadinho o que é advocacy, o que falta mesmo é um exemplo mais prático, tirado do dia a dia no terceiro setor.

 

Artur: São muitas as organizações pelo mundo e aqui no Brasil, principalmente as de maior porte, que fazem essa pressão constante por melhores políticas públicas pra determinadas causas. Por exemplo, a WWF para conservação e recuperação ambiental ou o ChildFund, pela criação de melhores mecanismos de proteção à criança e ao adolescente,

 

Roberta: Não é à toa que nossa produção conversou com a Luciana Quintão, que é fundadora e presidente da organização Banco de Alimentos. A OSC fez um trabalho importantíssimo agora durante a pandemia, quando tanta gente estava e ainda está passando fome. Eles inclusive têm um histórico de advocacy e uma atuação importantíssima junto aos órgãos públicos na tentativa de reduzir a fome no país. Vamos ouvir o que a Luciana tem a dizer?

 

Luciana Quintão: O Banco de Alimentos realiza advocacy voltado para a nossa causa de muitas maneiras diferentes. Nós damos muitas entrevistas, escrevemos livros, fazemos documentários, vamos às escolas, falamos com executivos e gestores públicos. Advogar a causa é trazê-la à consciência, é ensinar às pessoas como elas devem agir, em nosso caso, para diminuir a fome, quiçá erradicar a fome. Então advogar é trazer luz, conhecimento, e a gente faz isso de muitas maneiras diferentes e frequentes.

 

Artur: O advocacy de fato tem essas muitas faces e caminhos, né? Não é só por uma via que se chega a exercer um nível importante de influência. Agora, Luciana, como tem sido essa aproximação de gestores e órgãos públicos num momento tão delicado como o atual?

 

Luciana Quintão: Agora na pandemia, nós conseguimos ir até a Câmara dos Vereadores falar sobre essa questão. Foi chegado a ser implementada uma rede parlamentar contra a fome, municipal, que não deu em muita coisa, mas houve um movimento dentro da Câmara. A gente conversa com muitas pessoas de órgãos públicos que ficam impressionadas, depois levam essa informação pra dentro das suas autarquias ou associações ou campos de trabalho. Então assim, a gente sabe que dissemina bastante essa questão. 

 

Roberta: Que exemplo sensacional o da Luciana e do Banco de Alimentos! Acho que essa atividade se traduz um pouco naquela expressão “trabalho de formiguinha”. São várias as possibilidades, lugares e pessoas com quem você pode falar, assim como estratégias tanto para fazer crescer a visibilidade de uma causa quanto para atrair o olhar dos gestores públicos para importância daquilo que a organização defende. E o que é muito difícil: fazer algum gestor comprar a ideia e conseguir continuidade para ela, porque o que não falta é promessa.

 

Artur: É, Roberta, são casos como esse do Banco de Alimentos que fazem a gente abrir os olhos pro que significa de fato o advocacy. Agora, tá pronta pra mais um exemplo esclarecedor e inspirador?

 

Roberta: Sempre! Imagino que já esteja na hora de chamar aqui a nossa entrevista do dia. A Aline Viotto hoje é sócia da VMCA Advogados e atuou ao longo de quatro anos como coordenadora de advocacy no GIFE, o Grupo de Instituições, Fundações e Empresas, plataforma que busca fortalecer a filantropia e o investimento social privado no Brasil. Além disso, ela também já foi chefe da Assessoria Técnica no Gabinete da Secretaria de Governo da Prefeitura de São Paulo e advogada sênior da Spcine, a Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo. 

 

O Artur conversou com ela sobre como o advocacy e o terceiro setor podem e devem andar juntos para terem melhores resultados para toda a sociedade.

 

Artur: Oi, Aline, tudo bem? Estamos muito honrados de receber você hoje no nosso podcast!

 

Aline: Oi, Artur, eu quem agradeço o convite para estar aqui para poder falar de alguns assuntos tão interessantes e poder contribuir, aqui, com o debate.

 

Artur: Aline, você tem uma pesquisa bastante extensa sobre advocacy e a elaboração de políticas públicas voltadas pro terceiro setor aqui no Brasil. Dentro do contexto político e legislativo que a gente vive, que é bastante complexo, quais são as funções e as responsabilidades de quem atua com advocacy hoje?

 

Aline: Para começar a responder a essa pergunta, vale dar um passinho para trás, para poder falar um pouco sobre o que é o advocacy, esse termo que a gente usa tanto e que muitas vezes não é tão claro, acho que talvez quem trabalhe com isso tenha essa dificuldade quando vai contar na família… eu trabalho com advocacy e aí, “mas você faz exatamente o quê?”, e de fato acho que essa dificuldade não é à toa, é um conceito que é utilizado de diferentes formas, que não tem uma definição específica. E eu vou aqui reconstruir e acho que tem três principais usos e estou usando aqui uma reconstrução do Guia, que foi feito pelo Renato Morgado e pela Andreia Guzeto, de tentar organizar o que quer dizer esse conceito do advocacy. Então, primeiro tem uma definição desse conceito de olhar ele mais pela finalidade, que é justamente pensar que o advocacy é promover mudanças em políticas públicas. Então é de influenciar políticas públicas, de aprimorar políticas públicas, que está olhando justamente para o fim dele. 

 

E uma outra forma de conceituar aqui, que também está olhando para a finalidade, mas que olha para a finalidade de uma maneira um pouco mais ampla. O advocacy seria não só a promoção de mudanças em políticas públicas mas promover também, digamos, mudanças maiores nos hábitos, comportamentos, das pessoas, ampliar um pouquinho mais o que seria aqui a finalidade do próprio advocacy. 

 

E tem uma terceira definição, que às vezes aparece, que é uma definição não olhando para a finalidade, mas pelo o que ele faz, pela atividade em si. Como ações, sejam aí, as passeatas ou incidência política mais direta, enfim, mas um conjunto de ações que seriam o que define essa atividade. A gente não tem hoje uma definição disso no Brasil, diferente de outros países que regulamentam essa atividade e acabam trazendo alguns contornos para o que seria essa atividade, né? A gente não tem isso no Brasil, apesar de a gente ter algumas propostas, alguns projetos de lei tramitando nessa tentativa de definir e regular, estabelecer alguns parâmetros para quem exerce essa atividade. 

 

Roberta: Do ponto de vista do cidadão comum, de quem não atua com políticas públicas,  parece impossível a gente interferir diretamente na criação de leis e políticas públicas. O que talvez seja até um sinal do quanto a nossa democracia ainda engatinha. Considerando toda a sua experiência nessa área, pode explicar para a gente, na prática, como esse impulsionamento é feito? Onde vocês entram nessa cadeia, para conseguir fazer as coisas andarem?

 

Aline: Como a gente está tratando justamente do advocacy como um conjunto de ações, que são ações estratégicas, definidas, orientadas, é importante ter clareza do que se quer, construir uma estratégia. Isso significa a gente tentar entender qual é a mudança que eu quero promover? Qual a mudança na política pública eu quero tentar realizar e qual área é essa mudança, essa mudança precisa acontecer em qual âmbito? Por exemplo: eu quero promover uma mudança na legislação de trânsito, e aí significa atuar na minha cidade ou estou querendo propor alguma mudança específica sobre segurança pública? que aí significa alguma mudança em âmbito estadual, ou não. Existe alguma legislação municipal e eu queria trazer argumentos para poder complementar visões para decisão do judiciário, então eu vou atuar no judiciário, no legislativo, no executivo… Então, eu preciso entender como fazer essa mudança e qual o prazo para se fazer essa mudança. Então, tudo isso para dizer que para ser mais efetivo, o advocacy é importante que ele seja estratégico, bem pensado, bem orientado, bem organizado.

Então, por exemplo, a partir do momento que você constrói as estratégias, você pode entender que vou atuar construindo dados e conhecimento sobre o assunto, e tem várias instituições que se dedicam a isso, sobre temas com a FGV, Sebrape, Fórum de Segurança Pública, com várias estatísticas e análises sobre segurança pública, então essa é uma forma de atuar. Posso atuar, tentando produzir mais dados e conhecimento sobre o assunto. 

 

E tem outra forma, eu posso também atuar em parceria ou de forma colaborativa com o poder público, para tentar elaborar políticas públicas ou aprimorar a execução de políticas públicas, e então temos também alguns exemplos de organizações que fazem isso, por exemplo a Vetor Brasil, que apoia o poder público para desenvolver estratégias para atrair e selecionar profissionais para o setor público, o Instituto Uniban, é um instituto que atua, muitas vezes em colaboração com o poder público para melhorar a qualidade de ensino, enfim há várias possibilidades, vários exemplos. 

 

Artur: Aline, você falou um pouco sobre alguns casos de litigância coletiva, um pouquinho antes, em casos como o Greenpeace, você diria que existe algum tipo de causa que move mais ou tem um poder maior de mover as políticas públicas em prol de mudanças, seja por mobilizar a população em prol desses movimentos ou isso depende muito do noticiário ou de como o caso está sendo conduzido ou eventualmente parlamentares que se envolvem diretamente nisso, ou dá para dizer, por exemplo, trazendo aqui o Greenpeace, tem algumas causas que são tratadas por esse meio há mais tempo, portanto o caminho já está mais aberto? 

 

Aline: Acho que tem alguns fatores que vão influenciar que a causa tenha uma receptividade um pouco maior ou menor, tem o contexto político, se tiver acontecido algum caso de repercussão nacional maior e que pode sensibilizar mais uma determinada agenda. Acho que é difícil falar exatamente sobre causas que teriam mais efetividade de forma mais contundente, mas talvez a gente possa olhar o que as organizações atuam e a capacidade de mobilizar doações também, né? Quem atua nas entidades, sabe que às vezes têm causas que são mais fáceis de a gente conseguir mobilizar recursos na sociedade como um todo, e eu tenderia a achar e aqui um achismo, de que essas causas seriam mais fáceis para o próprio poder público, do que causas que a gente vê que tem um pouco mais dificuldade de encontrar doadores e encontrar pessoas que se sensibilizem. Então, vou dar dois exemplos de cada lado, educação é uma causa sempre mais fácil de mobilizar e uma outra causa que eu já ouvi muitas vezes as entidades falarem que tem muita dificuldade é quem está trabalhando com menor infrator, que é um assunto que tem mais dificuldade das pessoas se mobilizarem e doarem, talvez essas causam teriam diferentes recepções pelos agentes que estão tomando decisões. 

 

Roberta: E trazendo a brasa aqui para a nossa sardinha, falando de cultura de doação. Quanto você acha que o terreno está fértil para evolução e criação de leis que favoreçam a doação aqui no Brasil? Qual a sua visão sobre isso? 

 

Aline: Acho que tem um desafio colocado, para a própria sociedade civil organizada, de sensibilizar os agentes tomadores de decisão para essas causas. O que muitas vezes as causas que estão relacionadas a causa de impulsionar a doação, e eu diria que o que a gente discute no campo, como mecanismos que ou tem algumas falhas que precisam ser aprimoradas, muitas vezes eles não são perceptíveis, para as próprias entidades, seria importante expandir essa discussão para além do círculo menor que está atuando ali diretamente e também de poder levar essa agenda para fora, conseguir sensibilizar o tomador de decisão com essa agenda. E eu vou dar um exemplo de um desafio que a gente enfrenta com tributação de doação, o tal do ITCMD, que é um tributo que a gente cobra das doações no Brasil como a gente cobra da transferência de patrimônio privado ou como a gente cobra da transferência de herança, é o mesmo tributo que incide sobre qualquer um desses tipos de transferência e a gente tem então esse desafio, porque olhando para outros países, outros países costumam não tributar doações, no mínimo, ou eles reduzem a alíquota. Porque a ideia é é justamente tentar estimular que as pessoas abram mão dos seus recursos privados para causas de interesse público. Essa agenda é uma agenda que se a gente for olhar assim, nos últimos tempos, com a pandemia, surgiram várias questões com ITCMD, porque como estava mobilizando mais doação, tentando fazer com essas doações chegassem na ponta, em vários lugares, percebeu-se a dificuldade e o entrave que esse tributo coloca para a gente poder viabilizar essas doações. E esse é um tributo estadual, ele é competência dos Estados em estabelecer e na época eu estava acompanhando isso um pouco mais de perto, em vários Estados surgiram propostas para poder alterar a tributação da doação. Então é isso, houve um momento específico da sociedade, que precisou, com todas as dificuldades colocadas por conta da pandemia, começamos a mobilizar mais doações e ficou mais evidente uma dificuldade que ficou colocada e isso acabou mobilizando para surgir novos projetos de lei ou novas regulamentações para tentar facilitar, mas acho que não é uma agenda tão fácil de sensibilizar, mas acho que também compete à própria sociedade civil organizada de ter capacidade de convencer a sociedade, mas também os tomadores de decisão sobre a importância dessas agendas. 

 

Artur: Aline, muito obrigado por toda essa troca! Acho que a gente sai daqui um pouco mais inspirado e esperançoso ao pensar que é possível fazer a diferença nesse país e ser um agente de mudanças desse nível. Mas falta ainda uma coisinha pra fechar esse nosso papo: a rodada relâmpago!

 

Funciona de maneira bem simples. Nós te fazemos cinco perguntas e você vai responder ali na lata, com a primeira coisa que vier à cabeça. Tudo bem?

 

Aline: Ok, vamos lá. 

 

Artur: Qual foi a sua doação mais recente?

 

Aline: A doação mais recente tem a ver com meu universo aqui mais próximo. Eu doei para o projeto do PPDA – Programa de dedicação acadêmica, que visa oferecer auxílio financeiro para estudantes que estão na graduação para que eles possam se dedicar integralmente à graduação e não precisem já, desde o início da faculdade irem trabalhar, enfim, até por conta da estrutura da universidade, há diferentes perfis, diferentes níveis socioeconômicos, isso traz muita diversidade, mas muitas vezes também traz muita dificuldade, de como garantir que essas pessoas fiquem na universidade e garantir que elas possam ter tempo de se dedicar aos estudos. E essa é justamente a ideia do projeto. 

 

Artur: Qual é a sua causa do coração?

 

Aline: Redução de desigualdades. 

 

Artur: O que você doa e que não é dinheiro?

 

Aline: Tempo! 

 

Artur: Eu ia falar para que você citasse uma organização que você admira ou apoia, mas eu vou pedir para que você fale mais sobre o PPDA, é da Universidade São Francisco? Isso tem em várias áreas ou é só da faculdade de Direito? 

 

Aline: Legal! Hoje, ele é focado no Direito, organizado por ex-alunos da faculdade, e o projeto tanto tem essa parte de poder oferecer uma bolsa, um auxílio ao estudante, mas ele também tem uma mentoria, então a gente acompanha, coloca em contato ex-alunos e alunos que estão na graduação e durante o período em que esse aluno está com essa bolsa, ele tem os mentores que acompanham, justamente para poder conversar e trocar com eles um pouco sobre as nossas experiências, poder aprender também sobre o que está acontecendo na universidade, das mudanças. Entrar na graduação, e eu diria que não só a graduação, mas a faculdade de Direito da USP é um espaço que pode ser no mínimo, difícil, para quem chega nesse espaço, e ter pessoas que possam auxiliar a como trilhar esse caminho, trocar, especialmente as experiências, é muito relevante. Então tem essa dimensão das mentorias e o projeto tem também aulas de inglês, que muitas vezes é um desafio aos alunos cotistas que querem aprimorar o seu inglês, e nos últimos tempos, até por conta das dificuldades que a pandemia colocou, a gente tenta viabilizar doação de equipamentos para que todo mundo pudesse cursar a graduação em condições melhores. 

 

Artur: Quem você já convenceu a doar? (E se não o fez, faça agora ao vivo!)

 

Aline: Eu acho que o processo de convencimento é também um processo de escuta. Tentar entender o que pode ser uma causa que sensibilize aquela pessoa, para poder indicar aquela causa que é mais adequada para aquela pessoa, acho que aí talvez seja menos o argumento e mais a capacidade de escuta, para poder entender o que pode encaixar melhor ali, né? 

 

Artur: Eu diria que o seu argumento matador é a informação. Perfeito! Mais uma vez obrigado, Aline, volte sempre!

 

Aline: Estou à disposição e agradeço muito o convite.

 

Roberta: Artur, uma das coisas que a gente aprendeu hoje é que, pra conseguir fazer mudanças e mobilizar pessoas em torno de uma causa, saber explicar e de certa forma vender essa causa é essencial.

 

Artur: Sem dúvida, Roberta! E esse seu comentário tem tudo a ver com nossa próxima convidada. Afinal, a Duda Schneider é a nossa especialista em marketing e merchan aqui no programa. Vamos ouvir que dicas ela trouxe hoje no Merchan do Bem?

 

Duda: Oi, gente! Eu sou a Duda Schneider e esse é mais um Merchan do Bem!

 

A dica de hoje são os produtos da Dux Nutrition, uma empresa de suplementos para atletas que tem como objetivo promover melhor desempenho, saúde e bem-estar e que já doou mais de cem mil reais a diferentes projetos com atuação em diferentes causas, como SOS Mata Atlântica, Instituto Jurumi, Rede Mulher Empreendedora, Ação Moradia, Lar dos Velhinhos e muitos outros.

A doação acontece a cada compra realizada no site da empresa. No checkout, na hora de finalizar a compra, você escolhe entre duas organizações sociais sugeridas por eles, que destinam um real da venda à instituição. Todas as doações são auditadas pela Polen que promove a conexão entre empresas e causas sociais e mantém uma página de transparência atualizada com frequência para que o público possa acompanhar quanto é doado e quais as instituições beneficiadas.

 

Muito legal, né? Para conhecer o programa, acesse: www.duxnutrition.com

 

Espero que tenham gostado, e até a próxima. 

 

Roberta: Artur, o papo de hoje, como sempre que a gente toca no tema da burocracia, me deixou muito pensativa. Tem tantas coisas erradas, mas também tem tantas conquistas importantes e tantos caminhos para atuar.

O caso do Banco de Alimentos, que a gente conhece, mostra pra gente na prática como é esse trabalho de pressionar por políticas públicas que atendam as necessidades da sociedade, que urgente, necessário e que leva muito tempo, né? A gente sabe que a Luciana está há 20 anos batendo na porta de gabinetes e políticos dos mais diversos espectros para fazer a causa ser abraçada por toda a sociedade, e é difícil de fazer acontecer.

E não tem como esquecer essa lição da Aline sobre o que significa advogar politicamente por uma causa.

 

Artur: É, Roberta, lembra a época em que a gente não vivia nas trevas? Então, naquela época, a grande discussão que a gente tinha de política, entre amigos, na sala de aula, no terceiro setor ou nas empresas, tudo era o quanto que cada um achava que o Estado deveria interferir na vida pública, então era “mais Estado”, “menos Estado”, basicamente o seu posicionamento político era por um partido ou para outro e se você era mais liberal ou menos liberal. Naquela época a gente achava que era terrível essa discussão, a gente considerava que a democracia era algo óbvio, mas enfim, nessa época acho que a gente discutia melhores caminhos para o nosso país e era muito saudável, eu acho que tem uma coisa que os dois lados, sempre que concordaram ou os vários lados sempre concordaram é que o Estado tem que jogar a favor da sociedade, então, na pior das hipóteses o Estado tem que não atrapalhar boas iniciativas.

Roberta:  Era uma cerveja e uma mesa de bar… e a gente faz esse trabalho no terceiro setor, de correr por fora, do Estado, da iniciativa privada, adotando problemas que estão aí sem dono mas que são de todo mundo para tentar resolver as coisas, mudar o mundo etc, mas a grande verdade é que para mudar o sistema você precisa ou derrubar o sistema, ou estar dentro dele para mudar as regras. Então, não dá para não botar a mão na merda, mas também não se pode fazer omelete sem se quebrar os ovos, precisa fazer parte das leis, fazer parte de quem toma as decisões políticas de alguma maneira, né? com representantes do terceiro setor ou com representantes eleitos e que representem os nossos interesses. Acho que uma coisa que precisa ser levada em consideração, neste que é um ano eleitoral, e uma chance de a gente sair das trevas, é olhar para os seus candidatos e pensar, pesquisar como eles se relacionam com o terceiro setor. São apoiadores das organizações da sociedade civil? Eles estão ligados a organizações da sociedade civil? Porque é só assim que a gente vai conseguir de fato criar leis que favoreçam e que sejam ouvidos se a gente estiver sendo representado por alguém que entende o valor do nosso trabalho, da nossa causa. Então, fique aí: pergunte ao seu candidato, à sua candidata – qual é a sua relação com o terceiro setor? para quem você fez a sua última doação? Que ONGs você apoia, que ONGs te apoiam? Acho que isso diz muito sobre quem merece o nosso voto. 

 

Artur: Muito bom! Enfim, agora que ouvimos o som do tabu sendo quebrado, é a sua vez de se manifestar e mandar uma mensagem para a gente sobre o tema, basta entrar lá no nosso Instagram @institutomol ou no nosso perfil do LinkedIn! Se você ainda não tá seguindo a gente, essa é uma ótima oportunidade de começar. Ou vai deixar de acompanhar todo o conteúdo bacana que a gente posta por lá?

 

Artur: E a gente se despede por aqui, até semana que vem! Esse podcast é uma produção do Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, da Morro do Conselho Participações e da Ambev. A produção é de Leonardo Neiva, o roteiro final e direção é de Vanessa Henriques e Ana Ju Rodrigues, e o design da Glaucia Ribeiro, do Instituto MOL. As colunas são de Rafaela Carvalho e Duda Schneider, da Editora MOL. A edição de som é do Bicho de Goiaba Podcasts. Até mais!

 

 

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