Artigo 
17/11/2021
Filantropia e futebol moderno

Por Andy Frain, gerente de Campanhas e Relações Públicas da CAF*

 

“Three Lions” pode ser, de fato, a trilha sonora da campanha da Inglaterra na Euro 2020, mas, na verdade, é o rap de John Barnes em “World in Motion” que realmente captura o espírito desse time inglês. Cínicos podem sugerir que a lenda de Liverpool estava falando de atividades em campo antes da Copa do Mundo de 1990, mas seu chamado para “hold and give, but do it at the right time” (“segure e ofereça, mas faça isso na hora certa”) harmonizou claramente com a turma de 2021, que se destaca como o time inglês mais abertamente filantrópico da história.

 

Isso vai além do time doar ao condenado lado escocês do autor o seu único ponto do torneio e chega ao próprio coração das comunidades que os jogadores representam.

 

Os Jogadores

 

O ativista beneficente mais proeminente no time é, claro, o atacante do Manchester United, Marcus Rashford, cujas atividades ao longo do último ano o dispararam para o topo da Giving List da CAF no Sunday Times. Sua campanha de alta publicidade para qualificar crianças para refeições escolares gratuitas servidas regularmente quando as escolas fecharam durante o lockdown levou a 20 milhões de libras esterlinas doadas para o FareShare. Inspirando-se em suas próprias experiências na infância, Rashford transformou o problema da pobreza alimentar no Reino Unido em uma das questões-chave da pandemia, e também exerceu um papel proeminente ao liderar uma campanha beneficente de Natal que quebrou o recorde do Times e do Sunday. Essa campanha levantou mais de 3,1 milhões de libras esterlinas, com o apoio de Rashford e o matchfunding das doações da FareShare pelo ex-treinador do Aberdeen e do Manchester United, Sir Alex Ferguson.

 

Rashford não é o único filantropo futebolístico no campo inglês: o capitão do Liverpool, Jordan Henderson, também conseguiu apareceu na Giving List pelo seu trabalho liderando a petição de Covid-19 #PlayersTogether, que arrecadou mais de 4 milhões de libras esterlinas para a NHS. Henderson se tornou um embaixador para a organização Charities Together da NHS e até recebeu um MBE por seus “serviços beneficentes”.

 

É difícil ignorar o trabalho do centroavante do Spurs, Harry Kane, que se destaca como uma das figuras mais generosas do futebol — similar a Henderson, Kane liderou um movimento pelo time inglês de futebol para doar mais de 1 milhão de libras esterlinas para a Charities Together da NHS. Ele também atraiu atenção ao se conectar com o time no qual fez sua estreia, Leyton Orient, ao patrocinar suas camisas por duas temporadas e doar o espaço para três boas causas. A faixa de Orient carregava uma mensagem de agradecimento aos trabalhadores da linha de frente que enfrentavam a pandemia de coronavírus e as instituições beneficentes de saúde mental Mind e Haven Children’s Hospice tiveram seus logos expostos nas duas camisas do Orient como parte do acordo.

 

Futebol e filantropia estão ligados há anos, mas houve uma mudança geracional na escala e na proeminência da doação por jogadores de futebol. Isso é melhor exemplificado pelo fundo Common Goal, liderado pelo meio de campo espanhol Juan Mata. O Common Goal encoraja jogadores de futebol a doarem pelo menos 1% de seus salários para boas causas e dezenas de figuras proeminentes do futebol se uniram a Mata, incluindo Jurgen Klopp e Megan Rapinoe.

 

Essa nova dinâmica reflete mudanças geracionais mais amplas nas tendências de doação — não é coincidência que a maioria dos indivíduos por trás do Common Goal e da arrecadação de fundos pandêmica da comunidade futebolística se encaixe direitinho na geração millennial. Millennials são consideravelmente mais propensos a se envolver em doações coletivas e apoiar movimentos sociais específicos com os quais se engajam, em vez de permanecer leais a instituições ou grupos estabelecidos.

 

Times de Futebol

 

Essa filantropia baseada em causas se estende para além de apenas jogadores individuais. Como representantes naturais de áreas locais e comunidades, times de futebol sempre estiveram envolvidos em algum tipo de “retribuição”, mas, cada vez mais, seu trabalho beneficente está sendo conectado à identidade e aos valores do time.

 

Como indivíduos, times são atraídos às causas que ressoam emocionalmente com eles. Na sequência da morte do ex-capitão do time, Marius Zaliukas, no ano passado como resultado de uma doença do neurônio motor, o Hearts terá MND Scotland na frente de sua camisa para a próxima temporada e tanto o time quanto seus apoiadores assumiram várias atividades de arrecadação de fundos em nome da beneficência ao longo do último ano.

 

De jeito similar, o Queens Park Rangers renomeou sua casa em Loftus Road para apoiar a Fundação Kiyan Prince em homenagem ao ex-jogador da academia, Kiyan Prince, que perdeu sua esposa para um crime de agressão com faca em 2006. A fundação está comprometida a usar o legado de Kiyan para combater crimes a faca e outras formas de violência em jovens e o QPR ajuda a apoiar um número de projetos da comunidade em colaboração com a organização.

 

Os relacionamentos entre jogadores, times e as causas que eles apoiam estão se tornando mais públicos e cada vez mais baseados em identidade. Considerando que todo caso é diferente, há um tema chave de afastar as percepções negativas do futebol moderno e, em particular, da vasta riqueza envolvida no jogo.

 

Reformulando Percepções

 

Até pouco tempo atrás, você não precisaria se esforçar muito na pesquisa por manchetes negativas sobre “jogadores de futebol ricos e mimados”, que eram tratados como deslocados do fã médio, e até quando os jogadores se envolviam com alguma caridade, isso era visto de modo cínico e ignorado como pouco mais do que uma jogada de relações públicas. Porém, o trabalho filantrópico de figuras como Rashford e Kane — e o senso de comprometimento genuíno que eles transmitem — é uma réplica clara a essa narrativa. (Meu colega Rhodri Davies explorou em uma publicação prévia no blog o que há na abordagem de Marcus Rashford à filantropia que a faz tão popular com o público.)

 

Similarmente, quando a “Super League” foi anunciada (e subsequentemente colapsada) mais cedo esse ano, muitos comentadores acusaram times de futebol de interesse próprio desavergonhado e uma falta de entendimento e respeito por seus apoiadores. O apoio a boas causas, seja diretamente ou por meio do fortalecimento de iniciativas lideradas por fãs como a Fans Supporting Foodbanks (uma iniciativa conjunta entre os fãs do Liverpool e do Everton), é uma oportunidade clara para times lutarem contra essa representação e reafirmarem seu papel como centros vitais dentro das comunidades ao redor do país.

 

O futebol tem uma voz única e poderosa na sociedade e os times, jogadores e fãs estão usando-a cada vez mais para amplificar os problemas e causas que importam a eles. Independentemente do que acontece no campo, só isso já é uma vitória.

 

*Texto originalmente publicado no blog Giving Thought, da CAF America, em 7 de julho de 2021. Íntegra (em inglês) aqui

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