Transcrição EP #57 — As mulheres e o terceiro setor

Roberta: Nós mulheres ocupamos a maior parte dos postos de trabalho das organizações da sociedade civil somos 65% dos profissionais nesse campo, de acordo com o IPEA. Somos também quem mais doa e quem mais faz trabalho voluntário, de acordo com várias pesquisas. Para marcar o Dia Internacional da Mulher, em oito de março, queremos falar sobre a força feminina no terceiro setor, as possibilidades de associação e o que ainda falta para chegar num cenário mais igualitário, em todos os setores da sociedade.

 

Roberta: Eu sou Roberta Faria

 

Vanessa: Eu sou Vanessa Henriques

 

Roberta: E a participação e o papel das mulheres no terceiro setor é o tema de hoje no…

 

Roberta e Vanessa: Aqui se Faz, Aqui se Doa!

 

Roberta: Está começando mais um Aqui se Faz, Aqui se Doa, o seu podcast semanal sobre cultura de doação produzido pelo Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, da Morro do Conselho Participações e da Ambev, além da divulgação do Infomoney. Hoje o Artur cedeu o seu lugar de fala, que ele não tinha no assunto e o microfone para uma voz conhecida de vocês, a Vanessa Henriques, gerente do Instituto MOL. Van, bem-vinda de volta!

 

Vanessa: Oi gente! Vou usar o microfone com responsabilidade e logo devolvo, Artur! Muito bom estar aqui de novo conversando com vocês!

 

Roberta: Bom, para a gente não perder tempo, até porque hoje nossa entrevista é duplamente feminina, eu já vou chamar a Rafa Carvalho para ela dar aquela explicação caprichada de um conceito que a gente ouve muito falar no 8 de março: equidade. Conta mais, Rafa!

 

Rafa Carvalho: Olá, pessoal! Chegou o dia em que eu viro um dicionário ambulante para falar no nosso glossário dessa semana! A definição de hoje vem direto do dicionário Houaiss e a gente vai falar de equidade.

 

Então, equidade, segundo o dicionário, é (abre aspas) “respeito à igualdade de direito de cada um, que independe da lei positiva, mas de um sentimento do que se considera justo, tendo em vista as causas e as intenções”. Para dar uma traduzida e resumir: equidade é um conceito que prega pela igualdade e equilíbrio entre diferentes partes. É bem comum a gente ouvir falar sobre equidade quando falamos sobre igualdade de gênero, combate às desigualdades sociais e raciais… porque é basicamente o que se busca quando falamos dos desequilíbrios que existem à nossa volta. Por exemplo: a disparidade salarial entre homens e mulheres, a concentração de renda na mão de pouquíssimas pessoas, o fato de que homens e mulheres pretas ganham menos do que brancos desempenhando a mesma função, e por aí vai.

Então, tá na nossa mão lutar por mais equidade em todas as nossas relações e também no tecido social. Sempre lembrando de algo muito importante, e aqui vale um ensinamento: igualdade e equidade não são a mesma coisa. Muitas vezes, para que haja esse equilíbrio de direitos e oportunidades, é preciso priorizar a atenção a algum grupo minorizado. Aqui vai um jeito simples de explicar para ninguém perder:  se igualdade é dar o mesmo tratamento para todo mundo, equidade é ter um olhar mais atento, cuidadoso e generoso, enxergando onde existem lacunas que criam abismos sociais entre as pessoas. Equidade, gente, é colocar na balança todas as nossas deficiencias e privilégios e, a partir disso, garantir oportunidades de forma equilibrada e justa para o máximo de pessoas. De modo que todo mundo tenha as mesmas chances de prosperar e viver bem! Vamos juntos?

 

Eu sou a Rafaela Carvalho e toda semana eu ajudo a desvendar um termo importante para a cultura e doação. Até mais!

 

Vanessa: Obrigada Rafa! Equidade é um objetivo muito claro quando a gente fala da luta feminista, só que ainda parece distante quando a gente olha para as nossas relações, para a parte prática mesmo. Verdade seja dita que as mulheres são as principais cuidadoras da nossa sociedade, quem leva a chamada Economia do Cuidado literalmente nas costas, com nossas jornadas duplas, triplas…

 

Roberta: Exatamente, Van, e isso de alguma forma transparece no terceiro setor, que tem uma pegada de apoio, de assistência social muito forte, é daí que nasce historicamente. Eu já citei no início do episódio que as mulheres são maioria e, apesar do setor social ainda espelhar muito a nossa sociedade e todas as suas limitações, também pode ser um espaço que a mulher encontra outras referências. A gente continua, de alguma forma, se você olhar CEOs de empresas e de organizações não governamentais ainda temos uma maioria masculina, mas as mulheres já estão mais à frente no terceiro setor do que no setor privado, provavelmente.

 

Vanessa: Quem falou sobre esse assunto com a nossa produção foi a Graziella Comini, Coordenadora do Centro de Empreendedorismo Social e Administração do Terceiro Setor da FIA (Fundação Instituto de Administração) e professora da FEA/USP. A Graziella é super envolvida com o terceiro setor pelo CEATs (que é a sigla do centro) já faz um tempinho. E tem uma visão que coloca a mulher no centro do desenvolvimento da filantropia no país. Vamos ouvir:

 

Graziella: Não é intencional as organizações só contratarem mulheres. Eu diria que ela vem da própria história, do resgate da assistência social. Se a gente pensar, os próprios cursos de assistência social, tem majoritariamente predominância feminina. Na parte de ciências sociais, todos esses dados vão se reverter, essa questão da caridade, ela acaba sendo algo que puxa mais as mulheres. Então acho que isso já vem muito forte e o bom dessa história é que a gente também vê excelentes organizações da sociedade civil que foram criadas por mulheres. Então, não é apenas como mão de obra, como voluntárias. Mas também como fundadoras, presidentes ou secretárias executivas. É um espaço de um protagonismo feminino que é muito interessante nesse aspecto.

 

Roberta: Conversamos também com a Ana Flávia Godoi, fundadora e CEO da Conexão Captadoras, uma rede de captadoras de recursos formada exclusivamente por mulheres. Ela é um exemplo do que a Graziella falou, sobre mulheres que fundaram sua própria instituição ou que lideram uma rede em volta do Terceiro Setor. Vamos ouvir a experiência da Ana Flavia?

 

Ana Flávia: A iniciativa da Conexão Captadoras ela nasce no final de 2019, quando eu começo o movimento de migração da minha carreira, depois de muitos anos à frente do departamento de desenvolvimento institucional de uma organização e do desejo de trabalhar por mais de uma causa, com outras oportunidades e vivendo novas experiências. E é claro que quando a gente se movimenta dessa forma, saindo da zona de conforto, isso vem com muitos medos e anseios. E me veio muito a percepção da necessidade e do sentimento de um espaço seguro de trocas, seguras e eficientes, de um espaço onde eu pudesse me sentir acolhida e eu pudesse acolher outras mulheres também com os mesmos desafios que os meus e da minha profissão, começou a fazer muito sentido para mim.

 

E aí comecei a trocar com algumas amigas, bem próximas, de muitos anos, e a gente começou a convidar outras, começamos a ter uma periodicidade de encontros e isso começou a fazer sentido para uma série de outras mulheres. Então a iniciativa vem muito desse desejo de que a gente possa celebrar. Os nossos três objetivos: celebrar as nossas conquistas, quem somos e onde chegamos, inspirar outras mulheres na captação para que elas também se sintam potentes e empoderadas, e promover mais espaços de lideranças e oportunidades para que mais mulheres se sintam confortáveis e capazes de alcançar seus objetivos na profissão.

 

Eu sou muito apaixonada pela captação de recursos. Nesses últimos 20 anos da minha vida, acho que eu não sei e não fiz outra coisa e senti que isso fazia sentido também para outras. Então, para nós, o conceito de sisterhood, de trocas, de paixão pela profissão, de reconhecimento e representatividade faz muito sentido para a nossa rede.

 

Vanessa: Muito legal né? Ter esse espaço de troca e de inspiração com outras mulheres é algo bem potente do setor social e que poderia ser ainda maior em toda a sociedade.

 

Roberta: Com certeza. E para aprofundar o tema, hoje temos uma entrevista dupla! Eu bati um papo incrível com a Julia Caldas, superintendente executiva da FUNDAMIG (Federação Mineira das Fundações e Associações de Direito Privado de Minas Gerais) e a Nanda Soares, fundadora e diretora da Conectidea (coletivo de design e marketing para o terceiro setor).

 

Vanessa: A conversa está incrível! Elas são as criadoras do Manifesto “A Força das Mulheres no Terceiro Setor”, lançado no ano passado. Eu vou ler aqui um pedacinho desse manifesto, só para que vocês tenham noção da potência deste chamamento: “Estamos comprometidas com o desenvolvimento e empoderamento do Terceiro Setor, considerando como caminho a igualdade de gênero, que não é apenas um direito fundamental, mas base para o desenvolvimento sustentável, e não toleraremos retrocessos. Nós, mulheres do Terceiro Setor, somos parte relevante do esforço mundial para alcançar as metas presentes na Agenda 2030, e queremos assegurar que todas as mulheres tenham condições de vida e trabalho digno”.

 

Roberta: Julia, Nanda, sejam bem-vindas ao nosso podcast! Obrigada por aceitarem nosso convite!

Julia/Nanda: A gente que agradece! É um prazer imenso estar aqui!

 

Roberta: A gente falou um pouco no começo do programa sobre essa divisão de papeis na sociedade, em que a mulher geralmente é colocada nesse lugar de cuidadora, desde muito nova. Vocês acham que isso influencia a participação feminina nas ONGs, que trabalham muito com essa assistência a quem precisa? É um dilema do ovo e a galinha? Justamente por não ter oportunidade em outras áreas acaba que aqui se encontra mais espaço?

 

Nanda: Bom, isso influencia diretamente. A gente vem de um processo histórico e tudo está na nossa jornada como mulheres no mercado de trabalho de forma geral. No terceiro setor não é diferente: a gente tem a maioria da força de trabalho feminina, as mulheres estão à frente e, principalmente, na linha de frente. Mas, a gente vê muito esse desequilíbrio. A busca pela igualdade continua e isso vem em detalhes. Às vezes são coisas muito à vista, outras não. Muitas vezes, a gente precisa trazer o assunto à tona, mais de uma vez, e ir buscando formas de sensibilizar não só a sociedade de maneira geral, como a gestão.

 

Quando a gente fala de profissionalização, quando a gente enxerga a questão do amor à causa… No terceiro setor tem muito disso, do amor à causa, mas a gente não pode ficar somente nisso! Isso tem que existir, mas não pode ficar só nisso. Então, a valorização das mulheres em todos os sentidos: o reconhecimento, mas também o salário e pensar de forma geral na vida das mulheres nesse contexto.

 

Inclusive, quando a gente fala de economia do cuidado, que acho que é algo que a Julia pode trazer mais sobre esse assunto, é algo que a gente está tentando debater agora mais do que nunca e sempre. Acho que isso vai ser uma jornada que a gente vai seguir, as meninas e mulheres daqui em diante vão dar continuidade.

 

Roberta: Essa expressão da Economia do Cuidado é muito importante, né Julia? Porque é trabalho, não é reconhecido o terceiro setor ou o trabalho doméstico mesmo, é pouco reconhecido como trabalho, foi só ano passado que a gente conseguiu entrar na lista de profissões, a captação de recursos, por exemplo, sendo que tem milhares de trabalhadoras  ocupando essa função pouco reconhecida. Me fala um pouco mais sobre essa visão.

 

Julia: Então, Roberta, quando a gente começou a pensar nessa temática, quando essa ideia do movimento A força das mulheres no terceiro setor surgiu, a primeira coisa que fizemos foi pesquisar os dados, os números e foi exatamente isso que nos instigou a trazer essa temática para o terceiro setor. Nas pesquisas que nós fizemos, e a primeira matéria que tivemos acesso e me chamou muita atenção, foi da rede GIFE de 2005 e aponta algumas causas para a gente ter esse número — hoje, o IPEA aponta como 65% da força de trabalho das organizações da sociedade civil como feminina. As causas estavam divididas entre culturais, históricas e econômicas.

 

A questão cultural mesmo é exatamente o que você mencionou: os homens saindo para trabalhar no mercado, nas indústrias e as mulheres no lar se ocupando dos cuidados com os pais, com os filhos, com os idosos, os deficientes… Isso era estendido em um trabalho de assistencialismo. Com a cultura religiosa, nas Igrejas, algo que a gente tem até hoje, como o SEFRAS, estendendo esse trabalho a moradores de rua, pessoas com maior vulnerabilidade. Isso gerou o que a gente, hoje, entende como economia do cuidado, mas que antes era uma questão cultural e histórica.

 

Isso, acho até mais fácil de compreender e aceitar do que as causas econômicas que realmente, pessoalmente, foi o que mais me incomodou. Como a gente teve essa trajetória dos homens dedicados aos fins lucrativos, trazer o sustento da família e das mulheres nessas atividades sem fins lucrativos, que foi o que deu origem ao terceiro setor hoje, sobraram — vamos dizer assim — para essas mulheres posições não remuneradas ou com remuneração abaixo do valor de mercado. Essas mulheres que ficavam ocupadas pela economia do cuidado e não se qualificam, ou não frequentavam a escola até o Ensino Médio, antigamente, ou faziam no máximo um magistério e não iam para o Ensino Superior. Ficou um trabalho pouco qualificado, não no sentido de uma mão de obra aquém, mas pouco qualificado no sentido formal — graduação, pós-graduação, cursos. Pouco qualificado e, portanto, pouco remunerado, mal remunerado porque é visto como algo que deveria ser feito de maneira voluntária. Essas questões que a gente discute sobre economia do cuidado, de não ser enxergado como um trabalho que merece remuneração adequada.

 

Isso gerou o que a gente tem hoje no terceiro setor, inclusive não só para as mulheres. A gente fala muito das mulheres, porque é a temática do movimento, mas os homens que atuam hoje no terceiro setor têm essa queixa também. No canal do Youtube do FUNDAMIG tem uma gravação de uma reunião do COEP que nós fizemos e o Cristiano, do Child Foundation e da PUC, está à frente do núcleo de inteligência social, fala exatamente essa questão: ele, como gerente de projeto de uma organização de desenvolvimento recebe muito menos do que colegas com a mesma formação e, às vezes, até menos competência profissional, menos qualificado que estão no setor lucrativo.

 

Então, é uma coisa que quem acompanha a FUNDAMIG já me ouviu falar incansavelmente e vou continuar repetindo: a gente precisa sair desse contexto de vagas que são pior remuneradas, às vezes é a opção que tinha. Ele até menciona isso: não foi para o terceiro setor porque tinha vocação desde o início, foi porque precisava de emprego. E nós todos, profissionais do terceiro setor, temos contas para pagar como qualquer outro e precisamos de remuneração adequada. Então vamos buscar esse profissionalismo, porque assim a gente consegue mudar essa realidade do terceiro setor e dessa força de trabalho majoritariamente feminina. Acredito que uma causa impacta na outra: tanto a igualdade de gênero quanto a questão do terceiro setor e vice-versa.

 

Roberta: Você falou das pesquisas e do surgimento do movimento. Queria que vocês contassem mais para a gente desse manifesto que fizeram (“A força das mulheres no terceiro setor”) e qual são os objetivos dele daqui para frente.

 

Julia: Como eu disse, surgiu de uma conversa minha e da Nanda sobre o que a gente faria na data do mês das mulheres, no ano passado. Começamos a fazer essa pesquisa para entender melhor esse contexto e também esse tema que a ONU Mulheres escolheu para a campanha de 2021: Mulheres na liderança alcançando um futuro igual em um mundo de COVID-19. Nessa pesquisa, nessa busca, foi surgindo alguma ideia. Não o que é hoje, mas os primeiros passos e chegamos a fazer um webinar, que está no canal da FUNDAMIG para quem quiser assistir. Foi com pessoas que estavam dispostas a contribuir com essa pauta, interessados no assunto: Adriana Mulls do Diário do Comércio, Tatiana Pereira coordenadora do CAOTS do Ministério Público, a Nádia Rampi da Fundação Dom Cabral, a doutora Solange Bottaro do Instituto Ramacrisna. Começamos a falar sobre esse assunto, fizemos esse webinar e as coisas foram se desenvolvendo até chegar no que a gente tem hoje, acho que a Nanda pode falar melhor.

 

Roberta: Nanda, conta para a gente em que pé está o movimento agora.

 

Nanda: Foi uma construção coletiva. A ideia vem muito da nossa trajetória, do que viemos vivenciando no caminho e entendemos as mulheres como potências transformadoras. Então, a partir desse contato, vimos que todo mundo estava disposto, as mulheres estão dispostas, as pessoas querem dialogar sobre isso e a proposta, inicialmente, era essa: abrir espaço de diálogo, conectar essas lideranças para a gente conseguir construir algo para convocar para a ação e não só, simplesmente, ficar como algo escrito, mas que tivesse uma participação e protagonismo feminino. Então, a gente partiu para construção do manifesto, conectando esse propósito, formando rede mesmo, tentando sintonizar as ideias e, a partir dessa visão que a Julia trouxe da ONU Mulheres.

 

No início da pandemia, a gente viu que as mulheres foram as mais afetadas pela COVID. Tanto que ela traz esse dado de 70% das mulheres tanto no setor social, quanto de saúde que estão na linha de resposta. A ONU, inclusive, tem documentos que orientam as organizações e empresas nessa resposta aos desafios da COVID-19. Então, o que a gente podia fazer? Que pergunta, principalmente, a gente poderia fazer para convidar as pessoas a falar sobre isso? Acho que uma das coisas mais importantes é: se o papel da mulher como agente de transformação tem sido valorizado. O manifesto em si fala dessa jornada de empoderamento, de protagonismo feminino na sociedade e tentando fazer ecoar essa voz das organizações da sociedade civil, onde está a grande presença de mulheres, e também fazendo um link muito importante com a Agenda 2030.

 

A gente tem o ODS5 que fala da igualdade de gênero, que busca assegurar para as mulheres condições de vida e trabalho digno. Também está completamente relacionado a isso. Depois desse manifesto, para que a gente não fique parada no lugar, propomos realizar uma pesquisa um pouco mais ampla, para conhecer de fato o perfil das mulheres no terceiro setor e formatar coletivamente um guia que possa trazer propostas de formação, de sensibilização, trabalhar com a gestão e, de forma geral, com o que as pessoas quiserem contribuir.

 

Roberta: E trazido esse tema da ONU, de colocar as mulheres na liderança, por ser também um lugar de maioria feminina, a gente vê, em comparação à iniciativa privada, mais mulheres nas diretorias, dos conselhos ou empreendendo no terceiro setor. Embora a gente também veja muitas organizações em que a força de trabalho é majoritariamente feminina, mas quem senta na cadeira de decisão, o superintendente, CEO, diretor da organização, conselheiros ainda são homens. Poucos homens acima de muitas mulheres.

 

Essa é uma questão que a gente conversa muito dentro do Conexão Captadoras, por exemplo, movimento da Ana Flávia. É uma reclamação recorrente das mulheres fazerem o trabalho braçal, mas não serem as decisoras. Mas olhando nos poucos avanços e diferenças que esse setor tem em relação à iniciativa privada: será que porque tem uma maioria feminina, vocês sentem que é um ambiente mais seguro, menos sujeito à estereótipos, onde é mais fácil fazer uma carreira, ter uma valorização? Um espaço em que a mulher é mais respeitada do que a média? Será que é mais fácil virar diretora de uma organização do terceiro setor do que em uma organização da iniciativa privada? Ou não adianta e o terceiro setor também está muito atrás nisso? Como vocês veem isso, Julia?

 

Julia: Realmente acredito que não tem essa diferença, Roberta. Acredito que, infelizmente, a gente ainda vive em uma sociedade com essa questão da cultura do patriarcalismo, do machismo muito arraigada. A gente enfrenta, eu já tive experiência tanto no primeiro quanto no segundo setor, então posso dizer por isso que as mesmas dificuldades em ambos os setores, não vejo essa diferença. Apesar de a gente ter essa ideia de que no terceiro setor as pessoas são melhor intencionadas e com a cabeça mais aberta. Mas, infelizmente…

 

Roberta: Pessoas são pessoas, né?

 

Julia: Pessoas são pessoas em qualquer lugar, independente da intenção. Porque a cultura, a criação foi a mesma. Então, esse nosso esforço que a Nanda comentou, desde sempre e para sempre.

 

É uma coisa que a gente tem que sensibilizar para a transformação onde quer que a gente esteja, o tempo todo. Exatamente também pelo que você disse: a gente tem essa força de trabalho muito grande, mas ainda as posições de liderança são majoritariamente masculinas, então a gente enfrenta essa questão do machismo, de não ser levada a sério em um momento de decisão, ou de ter uma opinião abafada por outra opinião masculina que nem sempre está tão bem embasada… É uma questão mesmo para ser mudada aos poucos, com paciência, com tolerância, com comunicação não violenta, que a Nanda é uma defensora dessa temática e é isso.

 

Roberta: Mas quando a gente fala de representatividade, dessa desigualdade toda, se mulher é minoria, mulheres negras são uma minoria com mais barreiras ainda para ir à frente. A gente não pode falar de igualdade sem pensar nesse recorte racial. De acordo com um estudo da ABONG, 46% do contingente dos trabalhadores do terceiro setor são pessoas negras, o que está próximo do senso brasileiro, a gente não tem um recorte de gênero para saber se são mulheres negras, a gente só sabe que são pessoas negras. Vocês enxergam diferença na participação da mulher branca e da mulher negra no terceiro setor? E se sim, é um recorte desse racismo que a gente vê na sociedade ou tem um pouco menos de barreira por aqui? Me contem o que vocês acham!

 

Nanda: Com certeza esse é um tema que a gente tem que trazer. Uma das coisas que a gente já vem conversando é sobre essa inclusão, a própria ONU traz, não deixar ninguém para trás. Eu até faço uma indicação de um projeto chamado Mulheres Negras e Gestoras, Porque Sim, que foi feito por um grupo de pesquisadoras da Fundação João Pinheiro e fala sobre esse papel da mulher na sociedade e dessa trajetória histórica e como isso influencia também na construção das carreiras e a forma como elas chegam. Quando a gente fala de empoderamento, quando a gente fala de feminismo, tudo o que está envolvido. Elas falam muito de interseccionalidade, temas que a gente precisa envolver dentro desse processo também.

Acredito que assim como a questão do machismo em si existe em todos os lugares, esse é um tema que também está em todos os lugares. Não tem como falar que não, porque essa é uma realidade, com certeza.

 

Roberta: Excelente, gente! Faz todo o sentido para os nossas ouvintes e ouvintes se engajar nesse movimento como organização, seja como empresa, seja como doador, participando do terceiro setor e da sociedade em geral. Todo mundo tem que pensar: o que posso fazer para ajudar esse movimento e caminhar pela igualdade. Julia, Nanda, muito obrigada pelo papo! Foi muito inspirador, quero muito ver as mulheres ocupando todos os espaços e, não só ocupando os espaços, como tendo poder dentro deles e equidade com remuneração, desenvolvimento de carreira e por aí vai. Agora só falta uma coisa para a gente fechar, que é a nossa Rodada Relâmpago.

 

Meninas, é bem simples, vou fazer 5 perguntas e vocês respondem de bate pronto com a primeira coisa que vier à sua cabeça. Tá bom?

 

Nanda: Okay!

 

Julia: Tá bom! Eu sou péssima nisso, mas tá bom!

 

Roberta: Qual foi a sua doação mais recente, Nanda?

 

Nanda: Minha doação mais recente foi para a FUNDAMIG.

 

Roberta: E para você, Julia?

 

Julia: Minha doação mais recente foi ontem, cestas básicas para uma instituição do bairro, perto da minha casa.

 

Roberta: Ótimo! Nanda, qual é a sua causa do coração?

 

Nanda: Empoderamento feminino, com certeza!

 

Roberta: Julia, e para você?

 

Julia: A minha causa é, com certeza, o terceiro setor. Parcerias pelas metas, ODs 17, etc.

 

Roberta: A nossa também no Instituto MOL! Julia, o que você doa e que não é dinheiro?

 

Julia: Alimentos, tempo, atenção, roupas, muitas coisas!

 

Roberta: E você, Nanda?

 

Nanda: Também! Principalmente tempo, minha força de trabalho e atenção. Acho que isso é uma das coisas que é uma necessidade básica, principalmente nesses tempos que a gente está vivendo.

 

Roberta: Julia, queria que você citasse uma organização ou um projeto que você admira e/ou apoia: Faz um merchan dele para outras pessoas conhecerem e apoiarem também.

 

Julia: Olha, agora você me colocou em uma posição muito complicada, Roberta! Porque nós temos mais de 100 organizações associadas à FUNDAMIG e realmente acredito em todas elas. A gente faz um trabalho muito próximo à essas organizações, então posso indicar qualquer uma delas para as pessoas que tiverem interesse em apoiar.

 

Mas se eu tiver que escolher uma, vou puxar a sardinha para uma que além de associada, é aliança estratégica da FUNDAMIG, que é o Centro Mineiro de Voluntariado Transformador, o Minas Voluntários. Realmente é uma causa transformadora e que tem um potencial enorme de apoiar tantas outras. Então, sem dúvida fica essa. As outras, me perdoem, não são menos importantes!

 

Roberta: Muito bom, quero conhecer! E você Nanda?

 

Nanda: Bom, vou trazer uma organização com a qual trabalho já faz um tempo que é a Rede Oblata Brasil que atua com mulheres em contexto de prostituição e vulnerabilidade social. É um projeto muito importante, que trabalha com encaminhamento para rede socioassistencial, que trabalha com atendimento humanizado, de sensibilização contra o estigma.

 

E, claro, também tenho que puxar aqui para a FUNDAMIG. Acho que todo mundo tem que conhecer as associadas FUNDAMIG, que tem feito um trabalho com uma força imensa nesse sentido, especialmente, do advocacy pelo terceiro setor com representatividade e também nessa parte de profissionalização. Então, uma série de conexões que vem acontecendo e coloco aqui o convite para todas as pessoas conhecerem essas causas e todas as causas que trabalham com meninas e mulheres. Não posso deixar de citar Malala, por favor. E poderia fazer uma lista imensa aqui!

 

Roberta: Ai, que ótimo! Para terminar, como nosso tema é cultura de doação e a gente tem muita gente na linha de frente, na captação ouvindo, temos perguntado para todo mundo uma ajuda para vender esse peixe. Queria que vocês contassem, pensassem em alguém que não doa ainda e fizessem um pequeno discurso: por que essa pessoa deve doar? Convença!

 

Nanda: Primeiro, quando você doa, você também ganha de alguma forma. A gente fala desse coração aquecido, de uma contribuição para a sociedade. É asa de borboleta mesmo: bateu a asa aqui, isso repercute de um modo geral. Para quem ainda não tem essa cultura, ainda não doa, independente de ser um valor financeiro, de ser o seu tempo, de ser alimento, roupa, enfim… Acho que pode dar o primeiro passo que depois vai querer caminhar e depois vai estar correndo dentro dessa área que é tão importante para a gente. Se todo mundo fizer um pouquinho, tudo fica melhor!

 

Roberta: Muito bom! E você, Julia?

 

Julia: Acho que passou da hora, Roberta, de entendermos (me incluindo nisso) como sociedade que não podemos delegar e terceirizar o problema que está batendo na porta de todo mundo, principalmente neste período de pandemia. A gente percebeu que independente de onde a pessoa está, tanto em relação à espaço geográfico, quanto à questão econômica: todos nós somos afetados por tudo aquilo que acontece e a gente não pode delegar para o Estado. Temos que assumir essa responsabilidade e fazer o que está ao nosso alcance, por menor que seja, por menor que pareça.

 

Gosto muito de uma história que provavelmente todo mundo que está ouvindo já deve ter escutado, mas talvez não se lembre. É aquela história do incêndio na floresta: o beija flor estava lá achando que tinha que fazer alguma coisa e ele pegava uma gotinha de água que era só o que ele conseguia carregar e jogava para apagar o incêndio. Ele sozinho jamais apagaria o incêndio, mas os outros animais viram e começaram a contribuir e, de repente, tinha o elefante com a sua tromba e eles conseguiram juntos apagar o incendio na floresta. Acho que é por aí: se cada um doar 1 real que tiver por mês é alguma coisa, é uma gotinha e a gente vai conseguir juntos essa transformação.

 

Roberta: Ótimo, muito bom! Obrigada, Júlia e Nanda, voltem sempre! E muito sucesso nessa missão de empoderar as mulheres no terceiro setor, contem com a gente!

 

Julia: Muito obrigada pela oportunidade, foi um prazer, uma honra! Contem conosco também!

 

Nanda: Foi muito bacana! Acho importantíssimo o trabalho de vocês e vocês fazem parte dessa frase que queria deixar no final e está no nosso manifesto: “somos aquelas por quem estávamos esperando.” Muito grata por estar aqui hoje!

 

Roberta: Muito bom! Muito obrigada! Muito inspirada!

 

Vanessa: E enquanto a gente trabalha para ter uma sociedade melhor para todos, tem empresa investindo numa cadeia mais equilibrada, com oportunidade de trabalho para mulheres e um produto final que chama a atenção do consumidor. Tá na hora da dica da Duda Schneider no Merchan do Bem!

 

Duda: Oi, gente! Eu sou a Duda Schneider e esse é o quadro Merchan do Bem! O produto de hoje é um pouco diferente do que a gente costuma falar aqui: o impacto dele não está na doação final de parte das vendas, mas sim em toda a sua cadeia de produção. É a Raider R Next que faz parte do projeto Fazedores do Futuro da Rider em parceria com o estilista Ronaldo Silvestre e com as costureiras do Instituto ITI.

 

Para quem não conhece, o Instituto ITI é uma organização social que tem como objetivo impactar positivamente a vida das pessoas em situação de vulnerabilidade da cidade de Itabira, em Minas Gerais. Sua principal missão é a formação para o empreendedorismo e a geração de renda. Através das mãos das talentosíssimas costureiras do Instituto e da visão criativa do Ronaldo, esse modelo icônico da Rider (a R Next) foi reformulado, ressignificando os pares e trazendo um upcicling para toda a sua produção.

 

A papete conta com materiais 21% do carbono de fonte renovável, o solado é composto por 30% de material reciclado, 100% de todo o material é reciclável, palmilha com matéria prima renovável e muitos outros atributos. Pensando sempre no upcicling! Então, corre lá no site da rider.com.br e garante sua papete para andar por aí com muito estilo, contribuir com a renda de muitas mulheres e famílias e ainda contribuir com o meio ambiente. Por hoje é isso, pessoal! Espero que tenham gostado e até a próxima!

 

Vanessa: Roberta, com esse papo de representação, equidade, eu não resisti e fui dar uma olhada nas estatísticas do Aqui se Faz, Aqui se Doa! Pra ver como tava a representação feminina. Se a gente está batendo com a porcentagem do IPEA. Se você fosse chutar, a gente entrevistou nesses 57 episódios mais mulheres, mais homens, ou dá empate?

 

Roberta: Acho que foram mais mulheres.

 

Vanessa: Quer chutar um número? Uma porcentagem?

 

Roberta: Acho que é mais equilibrado que o IPEA, diria que 55% foram mulheres. 58%, vai ser meu número!

 

Vanessa: Quase! Era 60%! Nós fizemos 53 entrevistas até hoje, porque tem alguns episódios que é só você e o Artur, ou que a gente traz casos de sonoras, sem entrevistas — esses a gente não está contando.

 

Roberta: Só dos entrevistados principais, mesmo.

 

Vanessa: Exatamente! Dessas 53, 32 foram mulheres e 21 homens. Então, 60%! Parabéns, foi quase!

 

Roberta: Que bom! Mas então, temos que aumentar a representatividade feminina! Fica aí a lição de casa para a gente, para ter mais mulheres!

 

Vanessa: Hoje a gente já entrevistou duas de uma vez!

 

Roberta: Já aumentamos um pouquinho hoje! Muito bom! A gente sente no dia a dia, como falamos na conversa. Faço parte da Conexão Captadoras e já estive em eventos em que a gente discute o papel da mulher no terceiro setor e os relatos de questões enfrentadas, de barreiras, de machismo, de dificuldade de equilibrar com as jornadas duplas de maternidade e família… Tudo isso faz parte de um pacote que é o que a gente enfrenta, como a Júlia e a Nanda falaram, não só no terceiro setor, mas lá fora também — na iniciativa privada, no mercado de trabalho, na sociedade em geral, em todas as instâncias.

 

Mas também sinto o que a Graziella fala, que a Ana Flávia fala: que a gente tem um lugar de irmandade, de apoio no terceiro setor. E de inspiração! Porque a gente tem muitas iniciativas lideradas por mulheres incríveis, tem muitas empreendedoras sociais transformadoras e que me orgulham e me inspiram muito! Então, acho que a gente tem muito a caminhar, mas se você pensar quem são as lideranças empresariais, mulheres que te inspiram, cite 10. É fácil citar 10 homens, você lembra o nome de 10 homens, mas mulheres CEOs, diretoras, vai ter que pensar um pouco mais. Agora, se você falar para citar 10 empreendedoras sociais, vai faltar espaço! Tem muito mais lideranças sociais feminas que estão na nossa cabeça;

 

Então, acho que temos muito a trilhar ainda, mas o terceiro setor é um lugar melhor, mais amigável e que tem que dar o exemplo. Justamente porque é por aqui que a gente começa a criar esse mundo que a gente quer. Então, vamos começar!

 

Vanessa: Com certeza! Já estamos aqui começando, com a nossa equipe 100% feminina! Acho que é bem por aí mesmo: a iniciativa da Ana Flávia. Além de ver mais mulheres, talvez não tanto na liderança quanto a gente gostaria, mas no operacional. Mas ver também essa união, vontade de ajudar, de pegar a mão da outra e fazer um terceiro setor melhor para todo mundo e para as mulheres que estão na ponta.

 

A conversa tá boa, como sempre, e ela sempre continua nas nossas redes sociais: segue lá o arroba instituto MOL no Instagram e no Linkedin. A gente sempre posta conteúdo fresquinho por lá, tem muita coisa boa, vale a pena seguir! A gente tem uma programação intensa para esse ano! E se quiser falar conosco por email, o endereço é o contato@institutomol.org.br, e nenhuma mensagem fica sem resposta! Escrevam e comprovem!

 

Roberta: E por hoje é isso pessoal, semana que vem estamos de volta! Esse podcast é uma produção do Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, Morro do Conselho Participações e Ambev. A produção é da Graziela Lavezo, o roteiro final e direção é de Vanessa Henriques e Ana Azevedo, e a arte é de Glaucia Ribeiro, a equipe 100% feminina do Instituto MOL. As colunas são de Rafaela Carvalho e Duda Schneider, da Editora MOL. A edição de som é do Bicho de Goiaba Podcasts. Até mais!

 

Vanessa: Até!

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