Transcrição EP #58 — Voluntariado e Educação

Artur: Quando a gente fala em doar, é normal pensar logo de cara em dar apoio enviando recursos financeiros, roupas, brinquedos, móveis, algo material… enfim, coisas físicas que vão melhorar ou dar algum conforto à vida de quem está precisando. Mas e quando a doação na verdade envolve conhecimento, tempo, coisas não materiais? Sim, porque muitas vezes é importante passar aquilo que você sabe, aprendeu ou vem aprendendo ao longo da vida, pra quem não teve as mesmas oportunidades e condições materiais do que você.

Em vários casos, aliás, ser um voluntário na educação abre portas importantíssimas e pode mudar a vida de muita gente a longo prazo. Ensinar é conhecer o outro e dar dignidade também ao entender que ele existe e que você está interessado por ele. Pode significar a diferença entre fazer ou não uma faculdade e, lá pra frente, conseguir ou não o emprego dos sonhos e uma vida digna. A Angela Dannemann, nossa entrevistada de hoje, uma pessoa incrível que comanda a Fundação Itaú Social, que faz parte justamente dessa luta por uma educação melhor para todos os brasileiros.

 

Eu sou Artur Louback

 

Roberta: Eu sou Roberta Faria

 

Artur: E o voluntariado na educação é o tema de hoje no…

 

Artur e Roberta: Aqui se Faz, Aqui se Doa!

 

Artur: Está começando mais um Aqui se Faz, Aqui se Doa, o seu podcast semanal sobre cultura de doação produzido pelo Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, Morro do Conselho Participação e Ambev e divulgação do Infomoney.

 

E o tema que vamos discutir hoje é um dos que mais movimentam a sociedade atualmente. Aliás, existe já há um bom tempo essa percepção de que uma educação de qualidade é a saída para quase todos os problemas. É ou não é, Roberta?

 

Roberta: Bom, não resolve tudo, mas é quase tudo, né Artur? Essa luta vem de longa data,   deve ter 500 anos ou mais, e vimos sim alguns avanços ao longo do caminho, mas convenhamos que a situação ainda está longe de ser a ideal.

 

Artur: Dá pra pensar nessa questão do ponto de vista macro, de políticas públicas mesmo, e também do micro, que é onde entra, por exemplo, o trabalho do professor ou professora voluntário. Mas esse trabalho não é nada pequeno se você pensar em quanta gente você consegue impactar dentro de uma sala de aula de um cursinho popular. Ainda mais se você pensa a longo prazo: quantas pessoas essas pessoas influenciadas por você podem influenciar também?

 

Roberta: É verdade! E isso não é nem a gente que está dizendo, mas os dados que a gente tem disponíveis.

 

Uma pesquisa feita pelo instituto Datafolha, em parceria com o Itaú Social e o Instituto Unibanco, apontou que, de cada cinco brasileiros, quatro consideram o trabalho voluntário muito importante. E até mais do que isso, 53% disseram ter interesse em fazer algum tipo de trabalho voluntário.

 

Artur: Bacana, né? O problema mesmo é quando vamos pra parte prática. Isso porque só 15% dos entrevistados se dedicam a alguma atividade do tipo, efetivamente, enquanto 33% já prestaram esse tipo de serviço no passado e 52% nunca foram voluntários. Entre os principais motivos apontados, estão a falta de oportunidade ou incentivo e de tempo, claro. 82% das pessoas, aliás, consideram muito importante o trabalho voluntário na educação. A pesquisa apontou que o voluntariado na educação está entre as atividades mais procuradas, junto à proteção do meio ambiente e atrás, apenas, do apoio a pessoas em situação de rua.

 

Roberta: Incentivos até existem. Segundo uma resolução de 2018 do Ministério da Educação, o trabalho voluntário deve ser estimulado por instituições de ensino superior entre os seus alunos, podendo contar inclusive como parte do currículo das disciplinas como atividade adicional. As aulas com professores voluntários não podem deixar de respeitar a carga horária mínima do currículo tanto na educação básica quanto superior, e podem usufruir da estrutura do sistema de ensino, como sala de aula ou materiais.

 

Artur: Empresas também podem criar programas que incentivam seus funcionários a ser voluntários. Segundo a mesma pesquisa, só 17% das empresas em que os entrevistados trabalhavam tinham programas de voluntariado. A taxa de participação, por outro lado, é grande, de 61%.

 

Roberta: Um exemplo que a gente sempre vê de voluntariado na educação são os cursinhos populares, que têm como foco a aprovação em vestibulares ou no Enem. Segundo um levantamento do cursinho Arcadas, existiam 78 cursinhos populares na Grande São Paulo em 2017, que atendiam um total de mais de 5 mil estudantes. Geralmente, eles são mantidos por alunos ou professores, muitas vezes com apoio de uma  instituição de ensino.

 

Artur: E, se você quer ser um voluntário, já sabe o que precisa fazer e conhecer? Não? Então vem cá que a Rafa te explica.

 

Rafa Carvalho: Olá, queridos ouvintes do Aqui se Faz, Aqui se Doa! Vamos falar de voluntariado?

 

As visões costumam divergir quando o assunto é a formação de voluntários. 28% dos que foram entrevistados pelo Datafolha acham que precisa ter uma formação específica pra exercer esse tipo de atividade. E ainda tem muito desconhecimento. No caso do voluntariado na educação, por exemplo, só 18% das pessoas se disseram informadas sobre como atuar na área. Pra saber que tipo de formação ou conhecimento você deve ter pra ser um voluntário, antes de tudo é preciso entender em qual setor vai atuar e quais os requisitos da organização com a qual vai fazer essa parceria.

 

Para muitos especialistas do terceiro setor, o principal fator é o comprometimento. Ou seja, saber se organizar pra incluir o trabalho voluntário na sua rotina sem que ele se torne um peso ou obrigação. Assim, de fato, fica mais fácil de se comprometer, né? É responsabilidade da organização garantir que seus voluntários estejam alinhados com os valores e objetivos do projeto. E outro detalhe importante é que você deve buscar um setor pra atuar do qual goste e que esteja de acordo com suas habilidades. Se você é médico, por exemplo, provavelmente não vai se meter a dar aulas de filosofia, a não ser que tenha uma formação ou interesse específico no assunto.

 

Você não vai precisar de uma formação específica se for voluntário em alguma atividade mais operacional, por exemplo na distribuição de alimentos e recursos pra pessoas em situação de vulnerabilidade. Mas a coisa muda de figura se for atuar na área administrativa, como captador de recursos ou educador, setores que devem requerer alguma formação ou experiência anterior. No fim das contas, o melhor é se informar bem antes antes de buscar um trabalho que tenha a ver com você. A partir daí, tudo fica mais fácil.

 

Eu sou Rafaela Carvalho, e toda semana ajudo a desvendar um termo importante para a cultura de doação. Até a próxima!

 

Roberta: Boa, Rafa! A cada novo episódio, a gente já fica esperando você chegar pra trazer luz pra um tema como esse, do jeitinho que só você sabe fazer.

 

Artur: E, se estamos discutindo voluntariado na educação, acho que ninguém seria mais indicado pra falar sobre o assunto do que quem vive isso na prática todos os dias.

 

Roberta: Pois é, vamos passar a palavra agora para uma professora voluntário. Ou melhor, a professora! A Mariana Gama de Amorim, de 20 anos, é professora e coordenadora do cursinho Pré-Acadêmico Portal UFPE, de Pernambuco. Ela é estudante da Universidade Federal de Pernambuco e faz parte desse projeto que foi criado por alunos de medicina em Recife no ano de 2003. Voltado para estudantes vindos de escola pública, ele prepara muita gente pras provas do Enem. Vamos ouvir o que a Mariana tem pra nos contar?

 

Mariana: Eu sou graduanda do bacharelado em história pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente estou cursando o sexto período, mas estou no Portal desde o terceiro período, então estou atuando desde o comecinho do curso. E é importante deixar claro que o Portal é um pré-acadêmico gratuito voltado pra alunos egressos do ensino público e ele surgiu ligado ao Damuc, o Diretório Acadêmico de Medicina da UFPE, e se tornou um projeto de extensão vinculado às pró-reitorias de extensão e cultura e de graduação.

 

Então, atuam no projeto como extensionistas, como monitores, como professores, sobretudo alunos de graduação dos mais variados cursos e períodos. Ocorre também da gente ter professores que estão no mestrado ou doutorado. Ou seja, o projeto abarca pessoas que estão em diferentes níveis de formação, da graduação, do mestrado, do doutorado. E é também importante ressaltar que pessoas que estudam em outras universidades pra além da UFPE, sejam universidades públicas ou não, podem fazer parte do projeto como voluntárias. Podem atuar como monitores, como professores, na equipe psicopedagógica do projeto e assim por diante. Então, é um projeto que liga estudantes e pessoas em variados níveis de aprendizagem nesse processo de construção e formação de pessoas.

 

Geralmente, temos voluntários dos cursos de História, Sociologia, Matemática, Psicologia, Pedagogia, Turismo, Secretariado que atuam em diferentes frentes do projeto e ajudam a compor o corpo que é o Portal.

 

Artur: Que coisa bacana ouvir a Mariana contando! E a gente ainda perguntou pra ela como funciona esse esforço conjunto dos voluntários pra dar apoio e passar todo esse conhecimento necessário para os alunos. Vai lá, Mariana, conta um pouco pra gente:

 

Mariana: Em relação ao perfil de alunos, são todos egressos de escolas públicas. Podem ser que estão em escolas públicas ou que terminaram o seu Ensino Médio, não importa há quanto tempo, em escolas públicas.

 

No geral, a gente estabelece níveis de proximidade com os alunos porque existe uma preocupação de fazer um acompanhamento bem processual do desenvolvimento deles. Então, entender quais são as debilidades, quais são as dúvidas, quais são as dificuldades de aprendizagem, além de preparar esses alunos pra que eles tenham uma carga de conteúdo que atenda as habilidades e competências que são exigidas no Enem. Então, existe um engajamento entre as equipes, professores, monitores e estudantes, que formam um grande corpo dinâmico super importante pro processo de ensino e aprendizagem.

 

Isso inclui uma grande parcela de extensionistas, certo? Inclui muito trabalho, inclui muito diálogo entre as equipes, certo? É preciso que exista um diálogo constante entre as coordenações de disciplina, a coordenação geral do projeto e a equipe psicopedagógica do projeto pra esse trabalho seja feito do modo mais dinâmico possível, do modo mais dialógico possível. Inclusive, é importante a gente pontuar e perceber que existe uma grande parcela de extensionistas, de professores e monitores que já foram alunos no projeto e quando entram na universidade nos cursos que desejam, retornam ao projeto para dar também esse retorno.

 

É incrível, porque em certo momento a gente dá aula para alguém e depois se torna colega de profissão dessa pessoa! Então, é uma troca, uma dinâmica muito interessante esse trabalho voluntário, de ser professor, de ser monitor e ser estudante no Portal. Tem essa dinâmica, tem essa troca que é sempre muito maravilhosa!

 

Roberta: Que trabalho incrível! Assim a gente vê que o descompasso que existe entre o interesse em ser voluntário e a prática, apontados na pesquisa do Datafolha, tem a ver com um desconhecimento de como ser voluntário ou criar um projeto de voluntariado na educação. Mas, se você for estudante universitário, pode seguir o exemplo da Mariana e de tantos outros jovens pelo Brasil. Busque um projeto próximo de você, dentro da sua instituição de ensino, converse com colegas que tenham o mesmo interesse e garanta apoio onde você está para começar por ali.

 

Artur: É, Roberta, muitas vezes a gente idealiza o trabalho voluntário e faz ele parecer muito mais complexo de entrar do que realmente é. Sem esquecer que o voluntariado tem impacto positivo até sobre a saúde mental do próprio voluntário, como a gente já conversou em outro episódio. Fazer o bem faz bem!

 

Roberta: Falou tudo, Artur! Agora a gente vai receber aqui uma verdadeira autoridade quando o assunto é educação. À frente da Fundação Itaú Social, que há quase 30 anos desenvolve programas de melhoria da educação pública no Brasil, não poderia estar falando de ninguém que não a nossa querida Angela Dannemann, muito conhecida no setor, muitíssimo respeitada. Ela é engenheira química, com formação em administração de empresas e já foi diretora executiva da Fundação Victor Civita. Como voluntária, atuou junto a organizações como a Unicef Brasil, o Centro de Inovação para a Educação Brasileira, o Instituto Verdescola e a Casa do Zezinho, entre várias outras.

 

Artur: Angela, estamos muito felizes de te receber aqui no podcast! Obrigado por aceitar nosso convite!

 

Angela: Artur, eu que agradeço o convite e a honra — alegria, na realidade, de estar aqui batendo papo com vocês hoje.

 

Artur: Angela, você já vem atuando na área da educação há um bom tempo, seja como profissional ou voluntária. Pode contar pra gente como aconteceu seu envolvimento com o voluntariado especificamente nesse setor?

 

Angela: Claro! Quando penso no tempo que eu atuo como voluntária, fico até com medo de falar porque às vezes é mais tempo do que a idade de muita gente, sabe? (risos)

 

Artur: Sem datas e sem números, né Angela? (risos)

 

Angela: Não tenho grilo com isso não! (risos) Brinco que a minha idade digo com muita tranquilidade! O que não confesso, nem sob tortura, é meu peso que está muito feio hoje em dia!

 

Artur: Claro! Idade é patrimônio, né Angela? (risos)

 

Angela: Hoje em dia parece que sim! Aproximadamente, vamos dizer assim, de forma mais rotineira, sou voluntária há mais de trinta anos. Sempre foi na educação: começou de outras maneiras, quando era mais jovem, mas não estou considerando nesse tempo rotineiro — trabalhei, quando jovem, com idosos e orfanatos. Mas, de forma mais estruturada, fazendo trabalho educacional, gestão e avaliação, tem mais ou menos uns 30 anos, com organizações da sociedade civil de diversas naturezas: desde fundação, pequenas OSCs, tudo o que você possa imaginar.

 

No momento em que eu cheguei a conclusão que a única coisa que vale a pena fazer, onde quer que a gente esteja, é a educação. É ela que habilita tudo o mais! Isso começou como mania familiar: há muitos anos, todos lá em casa têm esse viés, meus pais já faleceram, mas meus irmãos, todo mundo, e eu fui mais mordida pelo lado educacional. Brinco que fui mordida pela mosca tse-tse da educação que veio cá e me deu uma dentada e faço uma coisa que é mais formativa. Eu educo educadores sociais, faço oficinas, trabalhos, sistematizo pedagogias, organizo a parte mais de planejamento, plano de ação e acompanhamento de organizações. Esse é meu trabalho voluntário, digamos assim.

 

Mais recentemente, com o agravamento da desigualdade da pandemia, da pobreza no Brasil, tenho feito muito mais um trabalho assistencial, em que doou ou preparo refeições para pessoas em situação de rua, apoiando um trabalho muito bacana, de uma querida amiga, que chama-se Banho para Geral, que vai em determinados lugares na cidade oferecendo dois chuveiros de água quente com sabonete, roupas novas, para pessoas em situação de rua. Eu acrescento a parte da refeição.

 

Quando comecei a fazer isso, outras pessoas se interessaram em fazer também. Agora, a gente tem um grupo que faz isso e é muito bacana ver essa disposição. É uma coisa concreta, objetiva. Às vezes, as pessoas têm dificuldade de ver como ajudar. Eu sou muito do fazer, então mostro fazendo ao invés de ficar falando muito.

 

Roberta: Muito bom! Esse era bem o ponto da minha próxima pergunta para você: a gente já falou aqui no episódio que a educação é uma das áreas que as pessoas consideram mais importantes como causa, como trabalho voluntário. Ainda assim, a pesquisa Datafolha feita em parceria com o Itaú Social mostra que existe uma grande diferença entre o interesse no voluntariado e a prática. Na sua opinião, por que ainda há essa dificuldade de exercer o trabalho de voluntário? De isso virar parte da rotina da maioria das pessoas?

 

Angela: Começo por falar muito do nome voluntariado. Tem a ver com a origem latina da palavra volutas que é vontade, desejo. Às vezes a gente tem, como ser humano, dificuldade em transformar nosso desejo e vontade em ação. Independente de ser trabalho voluntário ou trabalho mesmo. E trabalho, geralmente, é associado à algo negativo. Eu não associo: tenho um prazer enorme de fazer o que eu faço. E durante a vida toda! Tem dificuldade? Tem! É difícil! E a gente não compara isso.

 

Acho que tem um pouco do ser humano que não consegue sair do lugar — você está incomodada com alguma coisa? Vai lá, pega e resolva! Dê um pequeno passo! Não é muita coisa! Tenho uma amiga que não tem muito tempo, não tem uma prática e coloca no carro dela uma sacola todo dia com um saco de arroz, feijão, biscoito e, quando aparece alguém com fome na rua ela dá, ao invés de dar dinheiro. Isso são pequenas coisas que podem ser feitas, mas também tem outras coisas estruturadas. Por muitos anos, muitas coisas foram estruturadas.

 

Na educação, as pessoas às vezes se sentem mais inibidas, porque a educação formal é muito estruturada: tem um professor formado, demanda isso mesmo. Mas se você for em uma educação não formal, em uma organização da sociedade civil, pode sentar com alguém que conhece e perguntar o que pode fazer para contribuir. E você também trazer na sua fala no que é boa, o que acha que tem para dar, o que teria valor para a organização. Essa reflexão já é o primeiro passo e não precisa tanto de algo estruturado, oferecido por alguém.

Olha que estou falando de uma instituição que oferece bastante coisa estruturada e, obviamente, está muito mais voltada para os colaboradores do conglomerado do Itaú/Unibanco e suas famílias e amigos. Eles atraem muito famílias e amigos. É estruturado em comitês, muito bacana, tem um movimento, uma plataforma, genial. Agora, um grupo de amigos pode fazer isso. Tem muita gente que faz e, às vezes pode ser algo como ir na escola pública do lado e ver com a direção da escola se você pode fazer alguma coisa para ajudar a melhorar.

 

Muitas escolas não tem conectividade, será que posso considerar juntar um grupo de pessoas e criar algum tipo de conectividade no ambiente escolar da escola pública do meu bairro? Será que posso ir na organização da sociedade civil e pedir para ajudar os meninos a fazer dever de casa? O que posso trazer para vocês? Material, livro, alguém que ajuda a trabalhar com reforço escolar? Estou dando dois exemplos muito simples que com voluntas, vontade, desejo, podem acontecer!

 

Agora, tem as inibições, a desculpa — e falo desculpa mesmo — da falta do tempo que todos nós nos damos quando é conveniente. “Ah, eu não tenho tempo de fazer exercício de manhã cedo”. Eu escolhi não ter tempo.

 

Roberta: São as prioridades, né? Cada um tem as suas.

 

Angela: Isso mesmo!

 

Artur: Angela, com esse gancho da educação, que você falou do caso da pessoa que se voluntaria na escola do bairro… Queria que você falasse um pouco mais do trabalho do professor, da professora voluntária e como se encaixa dentro da lógica da educação pública? Como ele impacta o nosso ensino?

 

Angela: A gente tem que falar também de um arcabouço regulatório burocrático do país que é muito difícil, né?

 

Artur e Roberta: Isso! Exato…

 

Angela: Às vezes, há uma confusão quando a gente diz professor voluntário: ele já ganha pouco, como vai se voluntariar em alguma coisa? Ele é o primeiro que se voluntaria, deixa eu dizer aqui, quando são bons, eles não param. Eles trabalham sem parar! Mesmo tendo um trabalho fixo, em duas escolas, tendo que corrigir… O trabalho do professor não se encerra em sala de aula, ele continua e, muitas vezes, eles tem o trabalho de, além da escola, juntar crianças para fazer um trabalho colaborativo de ensinar e recuperar. Tem muitos casos assim. Conheço muitos fora de São Paulo, mas tenho certeza de que aqui também tem muitos.

 

Alguns deles, além de trabalhar nas escolas, vão nas organizações da sociedade civil sabendo da importância. Às vezes a criança não vai mais à escola, mas vai para a organização da sociedade civil, a ONG antiga. Se a gente conseguisse fazer essa aliança entre os professores voluntários, educadores das comunidades — não só professores voluntários, mas professores mesmo, em que houvesse cooperação, isso seria incrível! Começar a tentar algumas pequenas iniciativas assim. Acho que eles têm um trabalho… Vi durante a pandemia, em que eles estavam com as escolas fechadas, então, à princípio, ou estavam se formando virtualmente, em casa, muitos deles, uma quantidade gigante participou de formações ou formais das secretarias ou de iniciativa própria. Ou se deslocando com as próprias pernas, ou de bicicleta, ou de motocicleta, ou de carro indo para as calçadas das crianças, especialmente as pequenas (que são as que mais me tocam, devo pedir desculpa aos jovens aqui), com o livro aberto, contando histórias à distância, com máscara, com todas as proteções, mas fazendo esse trabalho que a gente vê agora o grande desafio que foi as escolas fechadas na regressão da alfabetização.

 

A gente está falando de 1º, 2º e 3º ano, mas tem que lembrar que regressão no letramento é em todas as etapas. Então, esse professor voluntário não foi uma coisa mais frequente, mas esteve presente, principalmente no que era possível ser feito.

 

Roberta: Angela, a gente escuta alguns depoimentos, até por parte de outros professores efetivos da escola, um certo preconceito contra o trabalho e a formação do professor voluntário, que muitas vezes não é especialista naquela matéria, não tem mestrado e doutorado, ou é estudante no ensino superior querendo começar a praticar… Do voluntariado ser “menos sério”, fora as diferentes metodologias, pedagogias, livros didáticos… Como isso pode conviver? Como vencer essa barreira?

 

Angela: Acho que a gente sempre deve procurar entender o professor como especialista, porque esse é o medo deles, essa é a resistência. Historicamente, se a gente pensar aqui — se eu estiver sendo muito longa, vocês me cortem! Porque sou uma contadora de histórias contumaz!

 

Artur: Não, está ótimo!

 

Angela: Historicamente, a profissão de professor, quando o Brasil não tinha universalização de matrícula, era um papel… Os professores em anos mais elevados eram homens. Eu fui uma criança que, anos finais de fundamental, que a gente chamava de ginásio, tinha a maior parte de professores homens, porque era mais sério, mais compenetrado, uma fase que precisava de pessoas mais inteligentes e capazes. O papel das crianças pequenas, dos primeiros anos, era das mulheres porque isso já era subvalorizado. As mulheres estavam começando a entrar no mercado de trabalho e o que elas sabiam fazer? Educar! E não tinha nem formação!

Trabalhava, às vezes, sem formação, nem magistério — que é um curso que não existe mais, que é um curso prático — e isso foi sendo subvalorizado ao longo do tempo, mas essa profissão foi sendo aprimorada por conta de diversas lutas de professores. Hoje, você já tem, na estatística de professores no Brasil, mais de 80% do sexo feminino em todas as etapas. Já mais preparadas, capacitadas. No final da década de 90 houve um esforço enorme de transformar professores leigos em professores formados com universidade, mestrado e doutorado. Nós tivemos a degradação da formação…

 

A gente está falando desse contexto para poder dizer que há uma desvalorização, por isso eles resistem. Por outro lado, essa conversa, essa tensão, é importante, porque é a tensão que faz a gente crescer — não a polarização, a tensão faz. Então, existe um sem número de tipos de professores que não existem no mercado, então a gente precisa apelar para, por exemplo, um engenheiro que quer ensinar, que já exerceu profissão de engenharia e pode, de alguma maneira, aprender um pouco de didática, começar a trabalhar em sala de aula com o apoio de um especialista que é uma função que na secretaria não existe — e precisa existir, justamente para embarcar esses voluntários que estão dispostos, que podem se tornar professores não efetivos, para não carregar, mas temporários que cumpram uma lacuna enquanto a formação inicial pode trazer, por exemplo, de física e ciências naturais, matemática… Tem uma série de questões.

 

Vou dar um exemplo no ensino do Brasil que traz alunos recém formados em alguma graduação que não seja pedagogia, que também está muito desgastada no país, prepara eles com didática, muito rapidamente e exercem a função de professores preenchendo as lacunas que existem. Se a gente ficar polarizando e dizendo: só professor efetivo ou, do outro lado, qualquer um pode entrar, nem uma coisa, nem a outra — a gente precisa conciliar. No mundo de hoje, conciliar é visto pessimamente!

 

Roberta: É o mais difícil! O desafio do nosso tempo! Angela, para terminar, queria que você me desse uma visão de futuro. Você está otimista ou não? Pensando nesses seus 30 anos trabalhando com voluntariado, nas respostas que vieram dessa pesquisa… A gente sempre fala que a educação é sucateada e desvalorizada no Brasil, que precisa de mais e, acho que a pandemia fez muito mais gente perceber isso, principalmente as famílias que viram que é muito difícil ser professor. Quando você tentava ensinar os filhos em casa, foi muito difícil para as famílias perder o espaço da escola. De alguma maneira, pelo menos essa valorização aconteceu.

O que a gente viu de pais dizendo que ia pagar promessa no dia que a escola reabrisse, ia lá beijar os pés dos professores quando as aulas voltassem, porque é difícil. Você acha que esse momento de agora, com todos esses desafios da regressão, mas também dessa possível valorização… Você está mais otimista? Menos otimista? Será que teremos mais voluntários?

 

Angela: Tenho uma questão que sempre sou muito otimista, Roberta. Tem que dar um desconto, todo mundo que está nos escutando! Sou aquela pessoa que acredita que a gente faz! Fazendo junto, a gente consegue chegar lá! Não será uma coisa simples, nem fácil: nós temos grandes desafios pela frente por causa dessa perda. Acho que essa pandemia trouxe duas coisas positivas.

 

Você falou de pais conseguirem entender a falta que um professor faz. A nossa pesquisa com famílias, que em breve vai sair a oitava onda, mostra claramente que o pai agora entende o papel do professor. Como é importante ter alguém que sabe o que está fazendo com o seu filho e ensinando. Essa valorização ajudará, se a gente conseguir subir essa onda, a valorizar mais a educação. Porque educação não estava bem, mas estava crescente e agora perdeu. Então, a gente precisa voltar para o patamar anterior. Esse voltar precisa de priorização da sociedade para pressionar o poder público a, de fato, transformar isso na prioridade número

1. Se não fizer educação no Brasil, a gente não vai para lugar nenhum, zero, esqueça! Ter um IFA, uma Fiocruz, significa preparar um jovem para trabalhar na indústria da saúde. A gente já fez isso com agricultura, a EMBRAPA foi criada para isso, por isso temos um agronegócio tão pujante no Brasil, entre outros exemplos que não vou nem entrar. Estou falando de dois exemplos muito simples! Se a gente não olhar para isso acreditando na possibilidade… Brasileiro tem uma mania infeliz de achar que tudo é mentira, que nada é possível. “Ela está falando isso porque está muito bem de vida”. Ninguém sabe o que a gente faz, e a gente precisa fazer e acreditar que fazer dá certo.

 

Tem uma segunda coisa que é: a massa de professores entende, agora, o quanto é importante usar ferramentas digitais. Mas elas não são a solução, precisam da pedagogia empurrando elas. Quando digo pedagogia digo do que serve para o meu aluno aprender melhor — se servir, beleza, se não servir, não serve. Não é só entregar um tablet e colocar conectividade que vai resolver!

 

Artur: Perfeito! Excelente! Angela, p papo está muito bom! Mas, infelizmente nosso tempo é curto, então gostaria de agradecer por você ter se voluntariado por ser nossa educadora de hoje, dessa turma de ouvintes do podcast. Tenho certeza que todo mundo adorou o papo. Queria te convidar para, você falou que tem uma nova onda da pesquisa saindo, qualquer novidade que vocês tiverem nesse sentido no Itaú Social, vem aqui contar para a gente, as portas estão abertas. E antes da gente terminar, temos a rodada relâmpago que é a parte divertida da conversa!

 

Angela: Eu que quero agradecer, desde já a oportunidade de falar! Educadora informal que sou, só tenho tempo, não tenho diploma de professor, sou uma dessas, viu Roberta? (risos)

 

Roberta: Bom, é bem simples agora, essa parte. Nós vamos te fazer 5 perguntas e você responde com a primeira coisa que vier à sua cabeça. Eu adorei que você já é assim, de bate e pronto, então vai ser moleza! Primeiro, qual foi a sua doação mais recente?

 

Angela: Alimento, no meio de janeiro, para 52 moradores de rua.

 

Artur: Qual é a sua causa do coração? Essa está fácil, né Angela!

 

Angela: Super educação! Educação em todos os níveis, principalmente nos pequenos, mas não apenas neles.

 

Roberta: O que você doa e que não é dinheiro?

 

Angela: Meu tempo e minha capacidade de organização e gestão.

 

Artur: Essa acho que é a mais difícil! Cite uma organização ou um projeto (pode ser mais de um, se quiser) que você admira, conhece bem e as pessoas não conhecem tanto

 

Roberta: Faz um merchan para mais doadores!

 

Angela: A que eu mais me doou, todo mundo conhece que é a Casa do Zezinho! Mas vou falar do Banho para Geral, que poucas pessoas conhecem, não é educação, mas é muito importante nesse momento de muito pobreza e desigualdade.

 

Roberta: Muito bom! Para terminar, Angela, queria que você fizesse um convite para quem ainda não doa. A gente está sempre aqui buscando novos discursos para vender esse nosso peixe. Então, pensa em alguém que não é doador ainda, o que você diria para essa pessoa para convencê-la a doar!

 

Angela: Olha, já falei muitas coisas de convencimento, mas queria propor dois lugares que pode olhar. Um, tem uma variedade enorme de organizações para doar que é o matchfunding Em frente. É muito bacana, a Fundação Tide Setubal é uma delas que está atuando nesse matchfunding, então tem várias organizações de vários lugares no Brasil, super bacana!

 

Segunda, vou insistir no Banho para Geral, tem um PIX no Catarse em que as pessoas podem contribuir não só com grana, mas dizer que quer ajudar a distribuir roupa, quer levar comida, qualquer coisa!

 

Artur: Maravilhoso! Angela, sem palavras para agradecer! Como falei, volte sempre, é uma honra ter você aqui!

 

Angela: Uma alegria enorme estar com vocês aqui, vendo até onde vocês chegam — é muito longe!

 

Roberta: Muito bom! Aprendemos muito, querida, obrigada!

 

Roberta: Artur, agora é hora da gente voltar a falar de doações, só que doações feitas de uma forma diferente daquela com a qual estamos acostumados por dinheiro, ou voluntariado, como foi o caso do programa de hoje. Adivinha quem está vindo por aí?

 

Artur: Claro que é a nossa querida Duda Schneider, que chega trazendo mais uma ótima dica de como doar comprando alguma coisa. Vamos ouvir o Merchan do Bem desta semana?

 

Duda: Oi, gente! Eu sou a Duda Schneider e esse é o nosso quadro Merchan do Bem! Hoje vamos falar de um produto incrível, e que você deve ter ouvido falar nas últimas semanas: as barras de cereais e frutas da Nestlé em parceria com a Gerando Falcões.

 

O produto social, que é o primeiro da Nestlé no mundo, foi uma cocriação da marca com os jovens da ONG que vivem em favelas da região metropolitana de São Paulo. As barrinhas estão disponíveis nos sabores banana e canela, e coco e podem ser compradas no Empório Nestlé ou no Mercado Livre com valor sugerido de 4,85 reais. Desse valor, 100% do lucro será destinado para a Gerando Falcões para apoiar o projeto Favela 3D.

 

Incrível, né? Esperamos que seja o primeiro de muitos produtos sociais da Nestlé e que seja mais um exemplo para grandes marcas começarem os seus. Por hoje é isso, pessoal! Espero que tenham gostado e até o próximo episódio!

 

Roberta: É, Artur, o programa tá chegando ao fim, mas dá pra dizer que hoje a gente teve uma verdadeira aula, né? Primeiro com a Mariana, que deu um panorama importante de como é a prática do voluntariado na educação. E depois com todo esse vasto conhecimento que a Angela trouxe sobre o assunto.

 

Esse é um tema que sempre me emociona, de falar de professores, porque minha vida foi muito marcada por eles e, com certeza, não estaria aqui, não faria o que eu faço, se não tivesse tido professores incríveis que influenciaram a minha vida. Sejam eles voluntários ou da educação tradicional, professores são peças fundamentais na nossa história e, se a gente puder… Gosto muito da “Nossa Missão” que temos na revista TODOS, que é uma revista social publicada pela Editora MOL, que a linha diz assim: todo mundo tem algo para aprender, todo mundo tem algo para ensinar e acho que isso pode ser aplicado também ao voluntariado.

 

Artur: Esse tema é fundamental, a Angela é das pessoas mais interessantes que a gente já falou aqui no podcast. Até pela experiência que ela tem. A gente tem vivido tempos em que se valoriza muito a inovação, a novidade e às vezes a gente esquece da importância dessas pessoas que têm 30 ou 40 anos de janela, o que elas podem nos ensinar.

E, vou dizer que faço algum voluntariado, posso dizer que faço até mais do que pessoas mais próximas que conheço, mas faço pouco. Isso é uma das coisas que me pega e, principalmente durante a pandemia, tenho me cobrado que deveria fazer mais nesse sentido. Então, da mesma forma que passei a doar mais, deveria também doar mais meu tempo e disposição.

 

Roberta: Acho que a mensagem mais bacana da Angela é que, justamente, tem muitas formas, inúmeras, de ajudar e elas não precisam sempre ser estruturadas. Se você tem filhos, você pode fazer parte da associação de pais e professores da escola, que é um trabalho voluntário importantíssimo, seja em escolas públicas ou privadas. Se você mora em um centro urbano, tenho certeza absoluta de que tem uma instituição de ensino a menos de cinco quilômetros da sua casa, provavelmente a menos de um quilômetro tem uma escola, faculdade, creche, asilo, algum lugar em que você pode ensinar.

 

E se a escola não é o seu lugar, também tem esse lugar da mentoria que você falou Artur. Quantas pessoas novas entram nos nossos espaços de trabalho, profissionais jovens aspirando chegar onde estamos hoje e que poderíamos ensinar, dar a mão, trazer para o futuro. Então, seja o seu lugar conversar com crianças, adultos, jovens, explicar um conhecimento técnico sobre o seu trabalho ou trabalhar com networking, essa ponte para o futuro profissional… Existem muitas maneiras de ajudar, tenho certeza que você tem algo a ensinar e que tem algum lugar perto que está precisando de você! Vamos nos colocar essa meta para 2022? Ser mais voluntário na educação? Ajudar a construir esse futuro que é de todos nós!

 

E onde tá cheio de conhecimento também são os nossos perfis nas redes sociais! Tá seguindo a gente no LinkedIn e no Instagram? É só procurar por @institutomol. E para quem quiser falar diretamente com a gente, o email é o contato@institutomol.org.br, e nenhuma mensagem fica sem resposta! Prometo!

 

Artur: E por hoje é isso pessoal, falamos bastante hoje! Semana que vem tem mais! Esse podcast é uma produção do Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, da Morro do Conselho Participações e Ambev. A produção é de Leonardo Neiva, e o roteiro final e direção é de Vanessa Henriques e Ana Azevedo, a arte é de Glaucia Ribeiro, todas as três do Instituto MOL. As colunas são de Rafaela Carvalho e Duda Schneider, da Editora MOL. A edição de som é do Bicho de Goiaba Podcasts. Até mais!

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