Transcrição EP#45 — Como funcionam as expedições voluntárias?

Roberta: É seu primeiro dia de férias. Você coloca aquela roupa de verão, passa um protetor solar, toma seu café da manhã… Mas em vez de passar o dia na praia ou batendo perna por aí, você vai trabalhar duro. E ainda paga por isso. Pra algumas pessoas isso pode parecer um tanto estranho, mas para outras, esse tipo de viagem são as férias mais incríveis e transformadoras das suas vidas.

 

Nos últimos anos, um novo jeito de viajar tem atraído muita gente: é o chamado “volunturismo”, ou turismo voluntário. Mas o que leva tanta gente a fazer essa troca? Quais benefícios esse tipo de expedição? Quem são as pessoas que hoje estão escolhendo como destino a doação do seu tempo? Para conversar sobre esse tema, vamos entrevistar a Karina Oliani, fundadora do Instituto Dharma, que busca levar saúde para comunidades remotas em todo o mundo, por meio da organização de expedições médicas. Eu sou Roberta Faria

 

Artur: Eu sou Artur Louback

 

Roberta: E as expedições voluntárias são o tema de hoje no…

 

Artur e Roberta: Aqui se Faz, Aqui se Doa!

 

Artur: Está começando mais um Aqui se Faz, Aqui se Doa, o seu podcast semanal sobre cultura de doação produzido pelo Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior e divulgação do Infomoney.

 

E hoje a gente vai falar sobre essas pessoas que abrem mão das férias tradicionais para doarem seu tempo e sua energia para mudarem a vida de outras pessoas, aliando turismo com voluntariado.

 

Roberta: À princípio essa ideia pode fazer muita gente torcer o nariz, né? Eu confesso que eu mesma, Artur, estranho. Porque parece que quando a gente sai de férias tudo que a gente quer é não fazer nada, apenas descansar.

 

Artur: Pois é, talvez não sejam as férias mais relaxantes para muitas pessoas… Mas para outras, acho que faz sentido. Eu adoraria fazer isso, quem sabe depois de conhecer a nossa entrevistada, eu não embarque em uma dessas. Porque, além de uma viagem é uma chance de viver uma experiência que você talvez nunca tivesse oportunidade de viver como um turista comum, sabe? Tipo, ajudar a cuidar de animais feridos na África do Sul, ou então ensinar crianças de uma comunidade na Jordânia a andar de skate (Esse eu não poderia, não consigo ensinar nem meus filhos)… Enfim, algo que transforme as suas férias em algo mais, não tão simples quanto 30 dias descansando.

 

Roberta: É, aí começa a ficar interessante. Conhecer lugares fora da rota de turismo comum, vivenciar as comunidades de um ponto de vista local, como as pessoas que vivem ali, formar redes, conhecer gente, fazer novos amigos, quem sabe melhorar um idioma, se for fora do país… e ainda doar seu tempo ajudando quem precisa, isso é sempre muito recompensador! Pode ser bem legal mesmo.

 

Artur: Quem sabe tudo sobre os conceitos da cultura de doação e que já teve várias experiências desse tipo é quem?

 

Roberta: Rafa Carvalho!

 

Artur: A Rafa Carvalho! Ela contou pra gente que a vivência mais bacana que ela já teve foi a de dar aulas de inglês no Marrocos. Rafa, então explica melhor pra gente o que é esse tal de volunturismo?

 

Rafa CarvalhoO volunturismo é uma ideia que vem se popularizando nos últimos anos e que consiste basicamente em viajar o mundo, fazendo trabalhos voluntários.

 

Para vocês saberem melhor: um relatório publicado pela Edelman, colocou o “volunturismo” como uma das maiores apostas para o turismo mundial. O relatório diz que, só em 2018 pelo menos 10 milhões de turistas viajaram com o objetivo de realizar algum tipo de trabalho voluntário. E isso movimentou cerca de 2 bilhões de dólares. Grande parte do público são mulheres de até 30 anos que cada vez mais buscam viajar sozinhas e vêem no volunturismo essa possibilidade. Eu fui uma dessas pessoas, com meus 25 anos de idade.

 

A busca desse perfil de turista mais consciente, atento às crises mundiais, fez surgir inclusive novas empresas no setor já com esse modelo, uma delas é a Volunteer Vacations ou a Exchange do Bem. Elas ajudam os viajantes a se conectarem com ONGs ao redor do mundo para experiências de curta ou longa duração.

 

Além de fazer a diferença para o outro, o volunturismo também é uma forma de crescimento pessoal. E o próprio turista voluntário acaba inspirando outras pessoas a seguirem seus passos –  o que indica que essa tendência só deve crescer nos próximos anos. É bacana, né? Fazer das férias mais do que uma imersão cultural, mas uma experiência de vida que  ajuda os outros! É bem interessante!

 

Bom, eu fico por aqui. Eu sou Rafaela Carvalho, e toda semana eu te ajudo a desvendar um termo importante para a cultura de doação. A gente se fala na próxima! Até mais!

 

Artur: Agora sim, ficou muito mais claro com a nossa Alexa do bem. Bem animadora essa proposta, hein?

 

Roberta: E pra gente saber na prática como funcionam essas viagens, conversamos com a Carol Zafon. A Carol é médica e desde cedo participa de viagens voluntárias. Com o tempo, ela tomou tanto gosto pelas expedições que decidiu transformar a medicina humanitária no seu dia a dia. Hoje ela faz parte do time dos Médicos Sem Fronteiras, e atua em missões em todo o mundo. Ela contou para a nossa produção sobre a primeira expedição da qual ela participou, que levava atendimento médico para comunidades no interior do Piauí. Vamos ouvir como foi?

 

Carol Zafon: Nessa primeira expedição fui eu, de ginecologista, uma pediatra, dois clínicos, um dentista, uma cirurgiã e um oftalmologista, dois estudantes de medicina, fora toda a equipe de logística, que é muito importante. Às vezes as pessoas perguntam: “quero ir muito pra expedição, mas não sou médico…” o papel das outras pessoas é tão importante quanto [o dos médicos]. Nada seria possível sem toda essa organização de logística. Lá nós visitamos várias comunidades. Começamos pela Serra do Inácio e lá foi um lugar em vivenciamos muito com eles. Era um lugar afastado, nós dormíamos numa escola, nós ficamos 3 dias lá sem água, sem banho, entendendo como eles gastavam o dinheiro. Muitas vezes o dinheiro que eles recebiam era pra comprar água pra colocar na cisterna. Foi uma população muito carinhosa com a gente, muito acolhedora. Eu lembro de momentos não só no atendimento, mas do carinho das crianças, de coisas que nunca vou esquecer.

 

Artur: E o legal é que depois dessa primeira experiência, a Carol voltou ao lugar da expedição dois anos depois e viu a comunidade transformada em vários aspectos.

 

Carol Zafon: Acho que esse trabalho foi muito gratificante. Mais gratificante ainda, porque eu voltei dois anos depois pro mesmo lugar e eu vi que a semente foi plantada. Eu peguei uma comunidade completamente diferente depois de dois anos, e peguei quase todas as mulheres — a gente foi para a expedição em novembro, pela segunda vez no Sertão do Piauí, pós Outubro Rosa em que a ação da coleta de Papa Nicolau — a grande maioria das mulheres com os exames feitos. E isso pra mim foi muito gratificante. Eu vi dois anos depois o cuidado delas mais com a saúde como cresceu em 2 anos.

 

Roberta: E além dos benefícios que a viagem trouxe pra comunidade, a Carol conta como isso transformou também a vida dela:

 

Carol Zafon: Eu acredito que nas expedições eu aprendo como médica e como ser humano. Eu acho que aprender uma cultura diferente da sua é algo extremamente rico. Não adianta você ler no jornal, ler um livro, assistir um filme… Você estar envolvido em uma cultura que é tão distante da sua, faz você até ter pensamentos diferentes e aceitar coisas que você jamais aceitaria. Eu costumo dizer que vou para uma missão e volto outra pessoa. Todas as missões que fiz foi assim, acho que cada uma delas vão me transformando como médica, e como ser humano.  

 

Artur: Inspiradora a história da Carol! E pensar como todo mundo, seja na área que atuar, que tiver habilidade, tem muito a contribuir, não é?

 

Roberta: Com certeza! Até porque não são só de habilidades técnicas que são feitas essas expedições: alguém vai precisar fazer a comida, cuidar das pessoas, cuidar da limpeza, cuidar das coisas. Então, sempre tem trabalho a fazer nessas expedições que podem ser feitos por qualquer pessoa que esteja ali entregue,  dedica e bem intencionada. E a nossa entrevistada de hoje também tem uma história bem parecida com a da Carol, ela é uma dessas pessoas que já viveu muitas vidas em uma só e rodou o mundo fazendo o bem com seu voluntariado e trabalho.

 

Artur: Segura só esse currículo. A Karina é médica, atleta e apresentadora de TV. Foi a primeira mulher sul-americana a escalar as duas faces do Everest, é bicampeã brasileira de wakeboard e snowboard e presidente da ABMAR (Associação Brasileira de Medicina de Áreas Remotas). Foi juntando sua carreira como médica e sua experiência de atendimento em regiões remotas do planeta, que ela fundou o Instituto Dharma, onde coordena hoje diversas expedições voluntárias que levam médicos e outros profissionais a atuarem com voluntários em todo o mundo.

 

Roberta: Que currículo maravilhoso! Seja bem-vinda Karina. É um prazer receber você aqui.

 

Karina: Obrigada pelo convite, Roberta! O prazer é meu!

 

Artur: Karina, para a gente começar, eu tenho uns amigos que correm na montanha. Corro com eles às vezes e comentei que a gente ia gravar com você. Eu falei: “Nossa, a gente vai gravar com a Karina Oliani.” Daí um amigo falou: “Aquela doida do K2?” Então, conta para o pessoa que você não é doida, mas fez umas doidices na vida. E, na verdade, como isso influenciou o que você faz hoje com o Instituto Dharma.

 

Karina: Então, Artur, acho que é uma questão do quanto a pessoa sabe da nossa vida, acompanha de perto nossas expedições. O fato de eu amar aventura, certamente não me faz uma pessoa doida. Muito mais uma pessoa nerd, que planeja para caramba, que estuda muito, se prepara… Porque, realmente, você se jogar em uma travessia de alto mar com veleiro ou em uma montanha estilo K2, que é considerada a mais perigosa do mundo, na doideira mesmo, acaba morrendo. Tanto é que a gente tem uma estatística de que cada 4 pessoas que sobem o K2, 1 morre. E, muitas vezes, essas mortes poderiam ser evitadas, se as pessoas se preparassem o suficiente.

 

Então, pessoas que amam aventura, amam ser desafiados, mas a gente não vai na doideira de jeito nenhum. Pelo contrário: essas expedições demandam muito trabalho, muito esforço. A gente tem que correr atrás, porque financeiramente elas também são desafiadoras. O primeiro desafio já começa em viabilizar. O Instituto Dharma veio por causa da minha profissão: eu sou médica. Como disse para vocês, sou nerd, está aí mais uma prova. Gosto de estudar e a medicina sempre foi minha paixão, porque sempre me senti muito feliz podendo ajudar o outro e podendo fazer o bem para o outro. Não é: “ai como ela é boazinha”. Eu faço porque faz bem para mim mesma, gosto de ser útil para os outros.

 

Quando me formei, estava em um impasse. Falei: fiz a profissão que eu queria, continuo amando ajudar os outros. Só que fico muito tempo fechada: clínica, hospital, centro cirúrgico… E a minha personalidade não é assim. Eu preciso do contato com a natureza, preciso estar outdoor. Sou uma pessoa outdoor. Fui achar uma solução e descobri uma especialização médica que chama wilderness medicine (inclusive, mês que vem estou indo para Edinburgh, dar uma aula no congresso de medicina extrema — world extreme medicine). E, a gente se especializou em medicina de áreas remotas e esporte de aventura.

 

Quando fiz isso em 2010, voltei para o Brasil e trouxe essa especialização médica para o nosso país e a gente começou a difundir todas as áreas do wilderness medicine no Brasil. Envolve medicina aeroespacial, de guerra, de selva, de mergulho, polar e por aí vai. Me sub especializei em medicina de alta montanha. Então, muitas vezes que vou para a montanha é para cuidar dos outros. E, algumas vezes, é para escalar para mim também.

 

Roberta: Karina, como que o Instituto trabalha? Vocês organizam expedições de volunturismo, é isso? E qualquer pessoa pode participar? Ou você precisa ter sido um atleta, já ter experiência em aventuras?

 

Karina: Então, Roberta, a gente começou de maneira muito despretensiosa, sem querer virar uma ONG ou um Instituto. Eu tinha uma promessa (não era nada com ninguém, era comigo mesma) que se eu conseguisse entrar em medicina — que era um dos cursos mais difíceis (e continua sendo) de conseguir ingressar e terminar — que ia dedicar 30 dias do meu ano para pessoas que mais precisassem sempre. Independente da época da minha vida. Hoje, é muito mais. Às vezes, dedico seis meses do meu ano, sete, oito, só para isso. Como foi com a fundação do Instituto Dharma.

 

Eu ia para os lugares mais inóspitos, mais carentes da África, do Sertão do Brasil, do Sudeste Asiático. Tudo o que era projeto que aparecia — como eu falei para vocês, fiz minha especialização médica lá fora, então conheci muita gente de institutos internacionais — tinha alguma oportunidade, pessoal falava que estava precisando de médico para atender, eu dizia count on me! E ia.

 

Com esse advento das mídias sociais, as pessoas começaram a conhecer um pouquinho do que eu fazia, do meu trabalho. Quando eu voltava e postava algumas fotos falando: foi assim na Uganda, foi assim na Ruanda, foi assim em Santa Rosa do Piauí. As pessoas falavam: “Poxa, ano que vem, se você voltar, me leva! Ano que vem, vou com você!” Existem vários amigos médicos que sempre falavam isso. Quando vi, teve uma vez que fui para o Nordeste com 25 amigos.

 

O grupo foi crescendo, até o ponto da gente chegar em um grupo de 25 profissionais atendendo e a gente precisava de medicação, de equipamento, de instrumentos para atender e precisei ir atrás de doação. E consegui doação com algumas marcas que já me patrocinavam como atleta, como personalidade. Meu contador virou para mim e falou: “O que você está querendo? Não consigo mais fazer a sua contabilidade, está muito confuso. Você é uma ONG, mas você não é, mas você já é, na verdade! Porque, contabilmente, isso que você faz de receber e doar tudo, não fica nada para você e tudo você compra em medicamentos, nisso, naquilo, leva as pessoas para fora… A gente precisa oficializar isso e regulamentar.”

 

Nisso, conheci o Andrei Polessi, que hoje nos chamamos de sócio, mas ele é co-fundador do Instituto Dharma comigo. A gente veio conversando no avião na volta dessa viagem e topou na hora. A gente concordou que tínhamos que virar uma ONG e, com o livro do Instituto Dharma… Depois do grande terremoto que teve no Nepal, voei pro Nepal com a minha maleta médica, com o máximo de equipamento e medicações que consegui levar para lá para fazer atendimento médico depois daquela grande catástrofe que foi o terremoto de 2015. Eu voltei do Nepal só quando acabou tudo, não tinha mais o que fazer.

 

Quando voltei, Rodrigo Lessa me procurou dizendo: “Eu vi o seu trabalho no Nepal e queria ter feito isso, mas não sou médico, sou fotógrafo. Como eu posso ajudar?” Respondi: “Não por isso! Qualquer um pode ajudar! Através da sua fotografia, a gente vai fazer alguma coisa, reverter isso e fazer alguma coisa que eles estejam precisando. Eles estão precisando de tudo. O terremoto destruiu praticamente tudo.” A gente conversou bastante, conversou com o Pemba Sherpa, que é um amigo que nasce e mora no Nepal. E esse amigo falou: “Estamos precisando muito de escola, porque as crianças perderam as escolas delas e não tem mais onde estudar. Até reerguer a escola principal, eles precisavam de um lugar para continuar as aulas, se não vão perder o ano.” E a gente construiu uma escola no Nepal, com o dinheiro de um livro de fotos que chamou Dharma.

 

Como já tinha esse livro, já tinha esse nome e tinha dado tão certo! Foi abençoado logo do começo! Imagina, como um livro de fotos, hoje em dia, dá algum lucro. O nosso não só deu lucro, como conseguiu construir a escola inteira e sobrar dinheiro, fazer sobrar uma grana boa. A gente viu que o negócio era realmente de cima e falou vamos continuar, vamos dar esse nome. Aí virou Instituto Dharma e, um ano depois, a gente fundou o Dharma e começou a crescer de um jeito…

 

Da mesma maneira como foi abençoado desde o começo, continuou sempre. O Dharma passou de duas expedições médicas no ano, que fazia com alguns amigos, para doze. O volume cresceu demais e, para vocês terem ideia, hoje as nossas expedições, às vezes, acabam as vagas três, quatro meses antes. Às vezes a procura é tão grande que a gente não consegue dar conta de acomodar todos os voluntários, o que era o contrário. No começo, era eu pedindo pelo amor de Deus um oftalmologista e não conseguia alguém para me ajudar com essa parte, precisava de um dentista… Hoje, não! Hoje, a gente tem filas, pessoas na lista de espera para todas as vagas que o Dharma tem.

 

Agora, inclusive, abri mão da minha vaga, porque tinha gente demais e queria que outras pessoas conhecessem esse trabalho. O Instituto está no Acre, em um lugar muito remoto da Amazônia, que chama Serra do Mapiá. Estão fazendo atendimento médico lá. Isso porque, há dez dias, eles voltaram do Sertão do Maranhão e, há um mês, estavam no Sertão da Bahia. Então, o Instituto vai para várias localidades nacionais e internacionais. Já foi para Ilhas do Pacífico Sul — que nunca tiveram contato com médico antes — para Uganda, para a Índia, para o Nepal, para a Tanzânia… E vamos continuar esse trabalho!

 

Onde isso vai parar, não sei. Só sei que está tomando proporções… Eu passei, não sou mais a presidente do Instituto Dharma, passei para frente. Continuo junto com o Dharma como coordenadora médica, vou em várias expedições como voluntária para colocar a mão na massa, para atender as pessoas. Mas, não mais para fazer essas funções burocráticas, porque o Instituto realmente cresceu.

 

Artur: Karina, e qual é o barato? Por experiência própria, por que tanta gente tem buscado, já chama de volunturismo? Pessoas misturarem, usarem os 30 dias de férias para fazer o bem ao próximo, ir para lugares extremos, enfrentar realidades que não são as suas… Que sensações estimulam isso? Muito pessoalmente, você que está acostumada a viver essas expedições.

 

Karina: Acho, Artur, que o mesmo motivo que me motivou lá atrás. Quando você vai em uma expedição dessa, você está esperando ajudar os outros. Só que quando você volta, percebe que foi muito mais ajudado do que qualquer coisa. Você ganha um amor desinteressado, conhece um modo de vida muito simples, vê que essas pessoas conseguem ser felizes (e felizes de verdade) com tão pouco, vê os laços familiares que elas têm, sente a sinceridade delas em um abraço, em um simples sorriso de volta para você ou no que elas puderem te dar. A gente já ganhou até galinha de presente de paciente.

 

É uma experiência muito intensa, muito marcante. Você volta com casos e com histórias que você lembra e fala: “tá bom, não mudei o mundo. Mas, certamente, transformei o mundo de alguém.” E isso é muito recompensador. Você ver que você, como agente, como grãozinho de areia — que é o que somos em um planeta de quase 8 bilhões — pode fazer tanta diferença no mundo de alguém. E pode fazer o bem! E que, se você quer um mundo melhor, mais justo, em que as pessoas sejam boas… Um mundo para você receber bondade, igualdade, coisas boas… Você tem que começar dando alguma coisa de você, tem que partir de você.

 

Aí, aquele ciclo — que é até um pouco redundante, as pessoas conhecem como Lei do Retorno, ou como Lei da Reação, ou como Vai lá, Dá cá… Cada um fala de um jeito e funciona de verdade! Ela é a Lei mais certa dessa existência. Pelo menos dessa existência nossa, terrestre, aqui, ela funciona direitinho. O planeta é redondo, vai girando e vai voltando tudo para a gente. De um jeito, ou de outro!

 

Roberta: Karina, muito se fala muito também sobre os riscos do volunturismo, do turismo voluntário para as comunidades que estão recebendo esses turistas. Desde a substituição da mão de obra local, pela mão de obra de voluntários estrangeiros, aumentar os preços daquela comunidade, ter impacto ambiental… Queria entender: como você enxerga isso? Quais são os cuidados que as pessoas devem tomar ao escolherem o projeto no qual elas vão se voluntariar, a organização que está cuidando disso… Enfim, para ser um turista voluntário responsável socialmente. Como você vê isso?

 

Karina: Isso, Roberta, é o mesmo princípio de uma medicina que a gente estuda que chama medicina de catástrofe. Quando você vai para um lugar que acabou de ter um terremoto, um maremoto, um grande vulcão e vai para comer a comida deles, beber a pouca água que eles têm, consumir os pouquíssimos recursos que sobraram; às vezes, você está mais atrapalhando do que ajudando. É a mesma coisa a questão do voluntariado.

 

Hoje, tem cursos maravilhosos que prestam uma formação para quem quer ser voluntário. A pessoa aprende que, independente da cultura dela, ou da maneira dela, ou das crenças pessoais dela, quando está chegando em outro lugar, tem que respeitar o outro lugar, porque ela é quem está chegando. O turismo voluntário sim, concordo com você, pode trazer algumas coisas ruins para as comunidades por onde passa. Por isso, as pessoas que estão organizando, por exemplo, o Instituto Dharma faz isso há 6 anos. Nesses 6 anos, certamente, a gente já errou também. Não somos nenhum perfeito. Mas, a gente aprendeu com nossos erros e vendo o que funciona e o que não funciona, e fazendo tudo para apenas trazer benefícios.

 

Hoje em dia, para você ter ideia (e isso é algo que surgiu há 3 anos no Instituto Dharma), a gente tem um braço, um setor, todo um grupo de pessoas responsáveis pela sustentabilidade. Essas pessoas avaliam a questão do lixo zero: tudo o que a gente gerar de lixo, a gente traz de volta. A questão do impacto e do consumo dos recursos do local: muitas vezes, nosso grupo vai antes e leva todos os alimentos para a gente não ter que consumir os recursos que já são escassos daquela comunidade específica. Por aí vai. Então, temos pessoas especializadas nisso, que hoje, às vezes, só trabalham com isso, e sabem como fazer a coisa funcionar de maneira legal e benéfica.

 

Artur: Bacana! E pra quem, de forma prática, gostou desse papo e quer começar a participar de expedições, a questão é: dá para qualquer um participar? As habilidades são sempre úteis? E como que começa? Obviamente que não se começa escalando o K2,  iniciantes começam por onde?

 

Karina: Muito boa pergunta, Artur! Você tem que ter um perfil que combine com o projeto que você está tentando ir. Por exemplo, não adianta você falar que não se dá com calor, não consegue sobreviver no calor, e pegar um projeto no meio do Oriente Médio, do Saara, para fazer atendimento. Por que? Você vai acabar passando mal, virar um paciente e ainda desviar a atenção que era para as outras pessoas, para você.

 

É o mesmo princípio da escalada de montanha, já que você usou o K2. Se uma pessoa não escala bem e fala que está indo para o K2, ela não só vai se atrapalhar e, talvez, até morrer, mas talvez mate outras pessoas. Porque, a gente não está sozinho. Quando você está escalando, tem uma pessoa na sua frente, às vezes tem alguém na corda embaixo. Se você cair, fizer besteira ou não tiver o mínimo de experiência, causa filas, machuca os outros, com seus equipamentos pode realmente cortar alguém ou até matar alguém. É a mesma coisa para o voluntariado.

 

Não tenham medo de começar, não estou falando de maneira nenhuma para desencorajar as pessoas.Certamente, você será útil com qualquer profissão que tiver. A gente começou contando que o Dharma não começou exatamente com a medicina, começou com um livro de fotografia de um fotógrafo que queria muito ajudar o Nepal. Então, se você é fotógrafo, cabelereiro, modelo, professor de educação física… Nós já tivemos todos esses voluntários no Instituto Dharma e todos foram extremamente úteis, muito bem alocados e ajudaram com as funções mais diversas que vocês podem imaginar. Desde preparando a refeição para as outras pessoas, até organizando uma farmácia ou triando uma fila de pacientes.

 

Então, sim tem muitas funções que precisam podar direitinho, que podem ser exercidas por diferentes profissões, para a gente poder atender as pessoas. É um ciclo. Eu diria para as pessoas que sim, procurem um projeto, comece com projetos mais curtos, que veem que vão se adaptar aquele perfil e, conforme forem gostando, pegando experiência e aprendendo como ser um bom voluntário, podem ir pegando projetos mais longos e desafiadores, em lugares mais remotos e difíceis. Tem lugares que você vai e, realmente… A gente já foi para lugares em que não existia privada. Não é que não tinha banheiro, não tinha nem o vaso sanitário. A gente teve que ensinar e capacitar os voluntários a como fazer as necessidades de maneira que muitos não tinham nunca nem dormido na barraca, não sabiam o que fazer, onde eu faço xixi, onde faço número 2.

 

Tudo na vida tem que ser progressivo. Assim como na escalada a gente não começa de cara indo para o K2, ou para o Everest, a gente começa pelas montanhas menores e vai acumulando experiência até um dia se sentir pronto para aquilo. É a mesma coisa no voluntariado, nesse turismo voluntário. Você pode começar se voluntariando alguns dias, experimentando, fazendo projetos muito bem estruturados. Tenho amigos que, quando vou para projetos que, quando estão totalmente sem planejamento, e tenho que descobrir tudo e montar tudo do zero, chamo eles. Porque sei que se eu falar para eles se virarem, porque não tem nada, eles se viram, aguentam, não vão reclamar e vão trabalhar ali se precisar.

 

Um dia, a gente chegou no interior, na África Central, e, para você ter ideia, precisamos construir um lugar para poder fazer os atendimentos. E essas pessoas, realmente, construíram do zero um lugar. É quem a gente fala que, depois de uns anos de voluntariado, viram pau para toda obra, consertam tudo. Pode ser um neurocirurgião, mas está com a vassoura varrendo, se precisar,  na hora que precisar. Não vai falar: “Não, vim aqui para atender criancinhas. Sou pediatra especializado.” Não, se precisar um dia sair e comprar comida para alguém, ajudar com outra coisa… O voluntário tem que estar pronto para fazer o que for solicitado e o que for preciso.

 

Roberta: Muito legal, Karina! Muito inspirador. Muito obrigada por essa aula que você deu para a gente. Agora só falta uma coisa para fechar: a nossa rodada relâmpago! Acho que vai ser fácil para você que sabe reagir tão rapidamente a coisas sérias, imagina perguntas simples.É bem simples, nós vamos te fazer 5 perguntas e você responde com a primeira coisa que vier à sua cabeça. Qual foi a sua doação mais recente?

 

Karina: Minha doação mais recente não foi nem para o Instituto Dharma, foi para um lugar perto de onde moro. Estou morando em Ilha Bela, que é uma ilha que fica a 4 horas de São Paulo.

 

Artur: Qual é a sua causa do coração?

 

Karina: Medicina especializada para as comunidades mais carentes e remotas do mundo, de maneira gratuita. E, agora, minha segunda causa do coração que está cada vez mais forte é tornar esse mundo um pouquinho mais sustentável e incentivar pessoas a tomarem iniciativas que fazem diferença. Não tem coisa mais valiosa na nossa vida que o nosso tempo. E eu, como médica emergencista, fui para a linha de frente quando chegou o COVID, fui me doar de outro jeito.

 

Como disse para vocês, escolhi há muito tempo que não ia trabalhar fechada em hospitais, em lugares fechados. Mas, a gente sempre tem que estar flexível e abrir exceções de acordo com o que o mundo precisa. E vi que estavam precisando do meu trabalho como médica e fui para um hospital de campanha e fiquei lá do começo até a primeira onda da pandemia. Depois, quebrei a perna e não consegui mais estar lá.

 

Mas, resumindo, a gente doa primeiro o nosso tempo, que é uma coisa que quando você está no leito de morte, a pessoa sabe que você só tem mais alguns minutos antes de ser entubado, que aquela entubação pode ser a última coisa consciente da sua vida. Ela te pede um pouco mais de tempo para falar com a família e você fala que não dá, se não for agora… Quando chega sua hora, não adianta ser um bilionário, ninguém consegue comprar tempo. Acho que a gente doar um pouquinho do nosso tempo para as pessoas sendo voluntário ou simplesmente parando para pensar no outro, é uma das coisas mais preciosas que a gente pode fazer.

 

Artur: Karinna, cite uma organização ou um projeto social que você admira e as pessoas conhecem pouco.

 

Karina: São muitos. Agora vocês me pegaram, porque de bate pronto falar um. Vou falar um que é de alguém com quem, inclusive, estou conversando para um projeto de sustentabilidade em que estou me envolvendo e ele chama Boyan Slat e ele foi o fundador e tão novo, tão jovem, conseguiu criar uma iniciativa que está fazendo grandes limpezas nos oceanos do mundo. Quem quiser pesquisar, é só seguir o instagram dele: The Ocean Clean Up.

 

Roberta: Karinna, queria que você contasse uma historinha de alguém que você convenceu a doar, que não era doador e você convenceu. E, se você não fez isso ainda, você pode fazer o apelo agora, ao vivo.

 

Karina: Acredito muito, Roberta, que a gente pode falar com as pessoas. Mas, a maneira mais impactante da gente transformar algo é através do exemplo. Acho que as pessoas me vendo ajudar os outros, é a maneira mais poderosa que posso inspirar e incentivar alguém a levantar do sofá e fazer alguma coisa por alguém.

 

Eu até escuto algumas pessoas falando: “Ah! Mas você faz o bem, não é para ficar falando o que você faz.” Concordo! Não é para ficar, de jeito nenhum, falando e muitas coisas que eu faço, realmente ficam desapercebidas, e vão ficar para sempre. Mas se a gente poder, de vez em quando, quando a gente faz alguma coisa legal e consegue realmente causar um impacto positivo na vida de alguém, contar histórias, não tenha medo. Não fique pensando, conte isso para alguém. Porque isso realmente vai inspirar outra pessoa a falar: “olha que legal! Eu também posso fazer o bem, eu também posso ser luz na vida de alguém, também posso fazer a diferença.”

 

Então, o que a gente mais faz, inclusive temos uma palestra do Instituto Dharma, de cada uma das expedições. Agora, quando essa turma voltar da Amazônia no domingo, vão em uma grande empresa, inclusive multinacional e contar todas as histórias que eles viveram em doze dias de selva pesada. Vão fazer uma seleção, porque todas não dá, mas as melhores e contar. Eu já fiz muito isso e o pessoal do Dharma também faz.

 

Artur: Excelente! Muito brigado, Karina, volte sempre que você quiser! Conte com a gente no que pudermos apoiar nos seus projetos.

 

Karina: Eu que agradeço! Obrigada, Roberta! Obrigada, Artur! Quem quiser, só vou deixar, por fim, instituto_dharma no Instagram, se você tiver alguma dúvida. Ou se a gente puder ajudar você a tomar uma decisão sobre voluntariado: projetos@institutodharma.org. Escreve para a gente!

 

Roberta: Muito bom! Obrigada, querida!

 

Karina: Obrigada! Grande beijo!

 

Roberta: Bom, e pra o nosso último quadro, vamos com as dicas da Duda Schneider para o Merchan do Bem desta semana.

 

Duda: Oi, gente! Eu sou a Duda Schneider e esse é o quadro Merchan do Bem. Hoje vamos falar de uma linha de pijamas que vai te fazer dormir com a consciência tranquila — o  Artur vai ficar orgulhoso desse meu trocadilho, hein? Os pijamas são da marca Mensageiro dos Sonhos e, além de lindos, são feitos 100% de algodão e zero plástico, visando um impacto menor no meio ambiente. E, claro, possuem parte da renda revertida para o Instituto Espaço Silvestre, que recupera e introduz animais na natureza desde 1999. Os pijamas fazem parte da Linha Natureza, idealizada pela proprietária da marca há 20 anos e sempre com foco em beneficiar projetos sociais ligados ao meio ambiente. Demais, né? Para comprar o seu, é só acessar a loja da marca: loja.mensageirodossonhos.com.br/linha-natureza. Se não conseguiu anotar, o link está aqui na descrição do episódio. Muito obrigada, pessoal! E até a próxima!

 

Artur: Ah Roberta, esse tema de hoje me deixou inspirado, vou te dizer, viu? Eu bem gosto de viajar, gosto de aventuras e não conhecia antes do programa esse conceito de volunturismo. Achei muito legal! Une o útil ao agradável, para mim faz bem mais sentido gastar um dinheiro em uma expedição dessas tão transformadora, do que em um hotel caríssimo, com luxo.

 

Roberta: Luxo está fora de moda, né?

 

Artur: Está fora de moda. E para você? Como que bateu isso?

 

Roberta: É, Artur, acho que esse não é exatamente o meu tipo de viagem, mas isso é porque eu sou uma mãe cansada de quatro filhos e férias para mim ainda é um tempo muito de família. Mas, acho incrível que esses projetos existam e gostaria de ter vivido isso na minha juventude, quem sabe viverei ainda na minha terceira idade. Mas o que acho muito legal de contar para as pessoas e refletir é que o Instituto Dharma é um maneira de você fazer essas viagens de exploração, mas existem muitas outras organizações. Organizações profissionais, por exemplo Engenheiros Sem Fronteira, Fisioterapeutas Sem Fronteira, Médicos Sem Fronteira, Fonoaudiólogos Sem Fronteira… Existem muitos profissionais de saúde sem fronteiras.

 

Você tem outras grandes organizações que trabalham transnacionais como ONU, UNICEF, que também promovem esse tipo de voluntariado. Organizações aqui pelo Brasil, em lugares mais remotos, com Amigos do Bem, Expedicionários da Saúde, Saúde e Alegria. Há muitas missões religiosas que fazem esse trabalho de ir a interiores levar estrutura e cuidados para as pessoas. E, claro, sempre tem a opção da gente fazer o volunturismo na nossa própria cidade.

 

A gente precisa reconhecer que, geralmente, vivemos bastante apartados das periferias das cidades onde existe uma outra realidade e que a gente pode conhecer e entrar em contato com ela como voluntário e ter um pouco essa experiência de chegar em um lugar novo, diferente do nosso cotidiano, e promover algo de bom nesse lugar. Então, se você não pode ir ao Acre, você pode ir a Guaianazes, à Baixada Santista, à Baixada Fluminense e outros lugares que estão próximos a você e precisam de voluntariados, tem organizações sociais incríveis e você pode levar seu conhecimento como voluntario nas suas horas livres. É isso!

 

Artur: Bom, quem tiver uma história bacana sobre expedições voluntárias ou viagens transformadoras que viveu, pode contar para a gente lá no Instagram @institutomol ou no nosso perfil do LinkedIn! Se você não tá seguindo nossos perfis, dá uma olhadinha e coloca pra seguir porque tem muito conteúdo bacana rodando por lá!

 

Roberta: E pra quem já nos acompanha, quer fazer uma sugestão de tema de episódio, quer elogiar ou criticar nosso podcast, é só mandar um alô: escreve pro email contato@institutomol.org.br, que a gente adora receber recados e vamos responder com gosto!

 

Artur: Por hoje é isso pessoal, semana que vem tem mais! Esse podcast é uma produção do Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior. A produção é de Gabriela Portilho, e o roteiro final e direção é de Vanessa Henriques e Ana Azevedo, do Instituto MOL. As colunas são de Rafa Carvalho e Duda Schneider, da Editora MOL. A edição de som é do Bicho de Goiaba Podcasts. Até mais!

 

Roberta: Até mais!

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