Transcrição EP#68 – Precisamos falar sobre colaboração

Roberta: Em um mundo cada vez mais complexo, cheio de desafios estruturais e urgentes, resolver as coisas sozinho fica difícil — pra não dizer impossível. E, apesar da gente saber disso, ainda resta uma dificuldade de trabalhar junto com parceiros. Acho que desde a escola sabemos que o trabalho em grupo pode dar mais trabalho, mas ele também nos leva a reflexões que não teríamos sozinhos, né? E é muito mais legal ter com quem dividir as conquistas. Para falar mais sobre esse assunto batemos um papo muito legal com a Erika Sanchez Saez, diretora-executiva do Instituto ACP. 

 

Roberta: Eu sou Roberta Faria.

 

Artur: Eu sou Artur Louback.

 

Roberta: E o poder da colaboração no mundo do impacto social é o tema de hoje no…

 

Jogral: Aqui se Faz, Aqui se Doa!

 

Artur: Está começando mais um Aqui se Faz, Aqui se Doa, o seu podcast semanal sobre cultura de doação produzido pelo Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, da Morro do Conselho Participações e da Ambev, além da divulgação do InfoMoney. 

 

Roberta, já que hoje a gente vai falar de colaboração, eu já quero começar chamando uma das nossas colaboradoras especiais, a Rafa Carvalho, para ela trazer um conceito que nos interessa bastante neste debate: o de filantropia colaborativa. 

 

Roberta: Ótimo jeito de começar! Conta mais, Rafa!

 

Rafa Carvalho: Oi, pessoal! Tudo bem? Causar impacto social nunca é uma tarefa solitária. Uma organização sempre vai contar com as doações, o tempo e a dedicação de diversas pessoas para poder cumprir sua missão, não é mesmo? E, para problemas complexos e metas ambiciosas, é preciso a união de forças em diversas frentes. Entra aí o conceito de filantropia colaborativa. Ela consiste na participação de duas ou mais partes, que atuam na filantropia, em projetos que necessitam de recursos financeiros. Esses projetos são arquitetados desde o princípio de tal forma que o ato de doar aconteça colaborativamente. Juntos, setores como empresas privadas, órgãos governamentais e grandes doadores individuais traçam objetivos e planos de ação. Essa colaboração pode acontecer de diversos modos, seja através de um coinvestimento, seja com a criação de um fundo, por exemplo. Para dar certo, todas as partes precisam estar muito engajadas na causa e precisam se comprometer a criar uma agenda prioritária conjunta, gerando confiança e parceria. Além disso, é preciso haver uma abertura genuína para o diálogo e também os papéis e responsabilidades de cada agente devem estar claros desde o começo. A filantropia colaborativa tem sido uma estratégia cada vez mais usada pelas organizações porque é uma forma de causar um impacto mais profundo na sociedade, ampliando os resultados de uma organização que, sozinha, poderia não consegui-los. Legal, né? Até a próxima!

 

Artur: Muito bom! Deu para perceber nessa fala da Rafa que existem muitas formas de trabalhar junto no terceiro setor, seguindo essa chave de uma filantropia colaborativa. O livro da nossa entrevistada de hoje, a Erika (ou Kika, como todo mundo chama ela), detalha esse conceito de forma super didática, e lista uma série de exemplos bacanas no campo que ilustram essa colaboração em rede. 

 

Roberta: Bom exemplo nunca é demais né? Ela cita alguns casos mais recentes e muito ligados ao enfrentamento da pandemia, como o Fundo Emergencial para a Saúde, fruto da colaboração de parceiros aqui do nosso podcast: o IDIS, o Movimento Bem Maior e a BSocial, que captou conjuntamente R$ 40 milhões que foram distribuídos para hospitais e santas casas de 25 estados brasileiros, fortalecendo a atuação do SUS no momento da crise mais aguda da Covid-19. As organizações se juntaram numa força tarefa tanto para captar esses valores, quanto para fazer com que ele chegasse na ponta, gerando transformação social.

 

Artur: Outro caso super emblemático é o Fundo Baobá, que é o primeiro e único fundo dedicado, exclusivamente, para a promoção da equidade racial para a população negra no Brasil. Desde 2011 o Fundo Baobá mobiliza recursos, no Brasil e no exterior, para apoiar projetos e ações pró-equidade racial para a população negra. É um exemplo muito potente de colocar recurso na mão de quem normalmente não acessaria os doadores tradicionais, vindo de uma organização do terceiro setor. 

 

Roberta: É um caso muito simbólico mesmo, Artur, e que virou referência para o terceiro setor. A gente vai deixar na descrição do episódio o link para o livro da Kika, onde você encontra esses e outros exemplos interessantíssimos de trabalhar junto de uma forma inovadora, para inspirar nossos ouvintes!

 

Artur: E chegou a hora de ouvir a Erika Sanchez Saez. Ela é diretora-executiva do Instituto ACP, de São Paulo, focado no investimento social e no apoio a iniciativas de impacto. Ela também é membro do Comitê Coordenador do Movimento por uma Cultura de Doação. A Roberta bateu um papo incrível com ela, que você ouve agora!

 

Roberta: E para falar mais do poder da colaboração e da filantropia colaborativa, a gente conversa hoje no podcast com a Seja bem-vinda, Erika! 

 


Erika: Obrigada pelo convite, Roberta! 

 

Roberta: O tema do nosso programa de hoje é o poder da colaboração entre diversas partes para resolver problemas. Mas a gente sabe que é sempre difícil articular várias frentes em torno de uma mesma agenda. Na sua experiência, como uma organização social que se alia a outras organizações pode definir responsabilidades e dividir tarefas de forma mais eficiente? Quais os desafios que elas precisam superar?

 

Erika: Então, Roberta. Sempre quando eu falo sobre colaboração, e é um tema que eu gosto muito, eu sempre começo falando que a gente precisa fugir do clichê. Porque colaboração é aquela típica coisa que é muito fácil cair no clichê. Então você fala: vamos colaborar, vamos fazer junto, colaboração é importante… todo mundo vai falar: claro! vamos colaborar, vamos fazer junto.

 

Roberta: Claro, né? Quem não vai querer colaborar? (risos)

 

Erika: Exato. Ninguém vai falar: não, eu sou contra colaborar. Só que a prática e realidade que a gente vê é bem diferente do discurso. Então, eu acho que um pouco o “caminho das pedras” aqui, tá em a gente olhar, se aprofundar no que significa colaborar. Então, eu acho que a reflexão para cada organização: o que significa colaborar para aquela organização? Considerando um pouco o momento de cada organização. Porque tem gente que colabora pouco, apesar de achar que não colabora pouco. É importante que cada um entenda o que, naquele momento, consegue fazer. Até para ela se propor coisas que são factíveis, considerando o momento dela, a equipe que ela tem, a forma que ela tem de atuar. Ao invés de se colocar objetivos muito pretensiosos, sabe? para começar. Então, dialogando assim, bem diretamente com essas perguntas, né? Eu acho que, como definir responsabilidades, como organizar o trabalho. Acho que a palavrinha chave aqui é governança. E a governança entendida como todos aqueles processos que definem como as decisões vão ser tomadas. Então, quando a gente vai colaborar com qualquer pessoa, e pode ser no setor social, pode ser em casa, pode ser em qualquer lugar, é importante, é saudável que a gente sentar e conversar sobre como a gente vai fazer isso, quem é responsável pelo o quê, como é que a gente toma decisões, quais decisões a gente toma junto, quais decisões a gente não toma junto? Porque uma outra coisa, um outro erro que a gente pode cair quando a gente fala de colaboração é que se a gente tá fazendo junto, tá fazendo colaborativo, a gente precisa fazer tudo junto. E isso é uma pegadinha porque fazer tudo junto acaba virando assim, uma travessia no deserto, entendeu? sem água, chega uma hora que você não consegue mais porque quanto mais gente, quanto mais potente, em teoria é a colaboração, tem mais gente envolvida, mais complexo fica. Então, se você for definir cada coisinha: “a cor de não sei quê”, “o nome do tal”, “o fornecedor para x”, todo mundo junto, é impossível! Então, essa conversa sobre governança e essa compreensão de que fazer junto, não significa fazer tudo junto o tempo inteiro, ela ajuda muito, mas isso não é fácil, também é um processo. 

 

O processo de construção dessa governança é uma coisa que leva tempo, requer várias conversas. Senta, conversa, dali um mês parece que o que conversou no mês passado já não tá sendo legal, você precisa sentar e conversar novamente. Eu falo também que você precisa inclusive nesse processo da governança, definir de quanto em quanto tempo você vai rever a governança, porque você vai precisar revisitar e não dá para revisitar todo dia, porque se não a coisa não anda, então você precisa ir fazendo pactos: “olha, vamos aqui na versão um da governança, essa versão vale pelos próximos três meses”, então beleza, daqui a três meses a gente senta e vê o que não está funcionando e parte para versão dois, para que as coisas conseguirem também fluir e caminhar e todo mundo ter a sensação de que aquilo está sendo produtivo, né?  que a gente está aqui construindo algo melhor do que se eu estivesse fazendo sozinho, né? 

 

Roberta: Muito bom. Muito boa essa percepção. E Kika, você tem ajudado a definir e a divulgar o conceito de filantropia colaborativa no ecossistema de doações no Brasil. Essa união de forças de diferentes agentes pode se estruturar de diversas formas, correto? Você fala de três diferentes arquiteturas: espaços colaborativos de coinvestimento; espaços de mobilização e gestão de recursos filantrópicos; e fundos filantrópicos. Você pode explicar um pouco mais desses conceitos e como eles funcionam na prática?

 

Kika: Claro, posso sim. Vou começar contando uma historinha sobre a minha história mesmo, tá? Essa história da filantropia colaborativa nasce na minha vida no GIFE. Quando eu entrei no GIFE lá em 2016, eu entrei para ser coordenadora de articulação, e basicamente a minha função como coordenadora de articulação era cuidar das várias redes que o GIFE tem. Então, tem a rede de leitura e escrita de qualidade, tem a rede temática de saúde, a rede de avaliação, tem a rede de grantmaking e minha função era criar essas redes e fomentar essas redes. E eu confesso que era um super desafio para mim, foi uma experiência, um laboratório de entender o que faz com que uma rede funcione e outra não? ou porque uma rede está em um determinado estágio de ação e outras consigam produzir coisas, levar coisas pro mundo, enfim, quais eram os pontos que faziam com que acontecesse de uma forma ou de outra? e junto com isso, ao mesmo tempo, o tema da colaboração de uma forma ampla, a agenda da colaboração começou a aparecer mais no terceiro setor e foi muito, denovo, como tudo no terceiro setor, foi muito potencializada pela pandemia. 

 

Na pandemia todo mundo resolveu que precisava colaborar e fazer junto como nunca antes havia acontecido. Então, começou a aparecer ali como uma possibilidade a gente dedicar uma publicação para pensar a colaboração e aí, muitas conversas, fazendo aqui a história mais curta, a gente entendeu que justamente para dar um pouco de contorno para o que o GIFE começou a publicar sobre colaboração, a gente decidiu que ia falar sobre colaborar no ato primordial da filantropia que, não por acaso, em um lugar muito apropriado para falar disso, que é a doação. Qual é a ação principal da filantropia? é doar. Então, o que significa colaborar no ato de doar? Foi um pouco essa a nossa porta de entrada para escrever alguma coisa que tivesse um pouco mais de contorno. 

 

É claro que para falar sobre colaboração na doação, a gente precisou olhar pro que importa: porque é importante falar sobre colaboração na doação para daí, poder descer um degrauzinho e aí, também para deixar a coisa um pouco mais prática, porque se não fica muito etéreo, sabe? Fica muito: “mas por que mesmo você está falando?”, a gente criou ali uma série de classificações. A gente criou grupos, a gente tentou dar um pouco de forma para isso. E eu estou trazendo tudo isso porque acho que é muito importante dizer que o intuito de dar forma não é classificar ninguém, nem criar caixinhas e dizer “você é, você não é”, “você está aqui, você não está aqui”, mas de tentar deixar mais palpável para quem tem interesse em desenvolver a colaboração, como é que isso pode acontecer na vida real, na prática. Então, basicamente a gente identificou quando olhava para a ação, para quem estava colaborando, a gente identificou três grupos de ações. O primeiro grupo, são um conjunto de iniciativas de coinvestimento e coordenação, que entram aí um monte de possibilidades, desde círculo de doadores, pessoas físicas que são doadores e decidem se juntar em torno de uma causa e trocar sobre aquilo e tal, e acho até que tem um episódio sobre isso, não escutei ainda, mas escutarei, até duas fundações que decidem, que tem uma agenda em comum e decidem coinvestir naquela agenda, seja via uma organização apoiada, seja via muitas organizações apoiadas, ou então, acho que outro exemplo, em torno do Todos pela Educação, por exemplo, o grupo de organizações que atuam na agenda da educação pública no Brasil e que não necessariamente estão co-financiando, mas que estão sentando numa mesa para coordenar as ações que estão fazendo, para ter certeza de que todas as prioridades que foram pautadas em conjunto, que foram definidas em conjunto estão sendo endereçadas de alguma forma para aquelas organizações que estão participando daquela construção. Então aqui entram muitas formas de coinvestimento e ali na publicação que o GIFE produziu, que eu escrevi, tem vários exemplos para cada um desses formatos. 

 

Aí, a gente tem um segundo grupo que é o grupo que busca muitas doações, normalmente doações menores, são as iniciativas que vão criar mecanismos para juntar pequenas doações e juntar essas doações para que elas tenham um valor representativo. A própria Editora MOL é um ótimo exemplo disso, né? Quando vocês criam produtos editoriais. colocam esses produtos à venda e ali tem centavos, às vezes, de cada um desses produtos que se juntam, as pessoas que estão doando, elas não sabem que elas estão colaborando. Então aqui, o foco da colaboração está em quem está criando esse mecanismo que possibilita isso. Acho que MOL, o Instituto Arredondar, a mecânica do crowdfunding. E uma terceira forma de colaboração são os fundos temáticos ou regionais, onde você cria um fundo e aí esse fundo vai reunir recursos de vários doadores que tem uma mesma causa ou estão interessados no mesmo território e vão colocar o dinheiro nesse fundo e aí tem toda uma gestão focada nesses fundos para gerir esses recursos que vem de fontes muito diferentes. 

 

Roberta: E quando a gente pensa nessas novas arquiteturas para causar impacto, você pode estender um pouquinho mais e contar para a gente  quais são as grandes vantagens de buscar essas novas formas de financiamento, porque precisamos fazer isso enquanto terceiro setor?

 

Erika: Sim, acho que aqui eu tenho duas entradas para a resposta. Acho que uma é a gente olhar um pouco do por que a gente está falando que é importante colaborar, porque a gente precisa acreditar que é importante colaborar para daí, dedicar energia para isso. 

 

Roberta: É, a gente sabe que tem uma dificuldade, né? De as ONGs colaborarem entre si muitas vezes. Você vê muitas vezes reclamações, conversas sobre competição por recursos e não colaboração e dificuldade de pensar projetos conjuntos porque tem uma ideia ainda que vem muito do próprio mercado econômico, capitalista, de que você vai ter de dividir mais o bolo e então não tem graça. Que é uma outra visão, de crescer o bolo para mais pessoas poderem mordê-lo, né? Então, fala um pouquinho mais sobre isso.

Erika: Exatamente. Acho que tem a coisa do mercado, dessa herança do mercado, que está muito forte, muito presente na nossa sociedade e tem uma questão também, que é o desafio das organizações que é captar recursos. Então quando você pensa em captação de recursos e pensa em outras organizações que trabalham na mesma agenda que você, na mesma causa que você, elas são competidoras por aquele doador, que está interessado em doar para aquela causa. Então, tem uma coisa meio real aqui, pragmática e acho que até para isso a colaboração pode ser uma resposta e já volto aqui. Só pensando um pouco nas razões, então eu acho que se a gente sair um pouquinho da filantropia, do terceiro setor e olhar para o mundo hoje. O mundo em que a gente vive hoje, os imensos desafios que a gente tem hoje e pensar: por que a gente precisa olhar para a colaboração nesse mundo? E eu trago quatro olhares diferentes e um é: para a gente sobreviver enquanto espécie humana a gente precisa colaborar, se não a gente não teria sobrevivido aos antigos predadores, se a gente não colaborasse e se a gente não se ajudasse e não criasse comunidades ali, então tem uma coisa da colaboração que é intrínseca a nossa existência nesse planeta. Depois, tem uma consciência cada vez maior de que para a gente lidar com os desafios que estão colocados hoje no mundo, a gente precisa colaborar, porque a gente está falando de desafios globais que não são mais de uma cidade, de um país, de um estado, são desde mudanças climáticas, são desafios humanitários. Então, isso também traz a questão da colaboração e coloca a questão da colaboração sobre a mesa e deixa ela muito mais complexa, porque não é que eu preciso colaborar aqui com a minha tribo, eu preciso colaborar com o mundo, com quem eu não conheço, com quem pensa muito diferente de mim, com quem vem de um lugar cultural muito diferente do meu, mas acho que existe essa consciência de que a gente precisa tratar de alguns temas que dizem respeito a toda humanidade de uma forma mais colaborativa.

Depois, porque quando a gente olha em volta, e olha a contradição, né? o paradoxo que a gente fica, a gente olha em volta e o que a gente mais vê é falta de colaboração. E ainda, juntando ainda esse paradoxo, quando a gente vê tecnologia e as grandes revoluções que aconteceram nesses últimos 20, 30 anos no mundo, elas têm a ver com colaboração. Então, desde o lugar das redes sociais, as redes sociais são um grande espaço de colaboração de alguma forma. Ela precisa um pouco disso para existir, até quando a gente fala em aplicativos de carona, Airbnb, a colaboração é meio que a base disso. Enfim, tem uma coisa de colaboração que permeia todas essas coisas que estão revolucionando a nossa forma de viver no mundo. Então, acho que tem um pouco esse lugar, essa consciência que está posta e agora saindo deste lugar mais macro e olhando para o campo do terceiro setor, e olhando para as ONGs, para a gente lidar com essa questão que eu trouxe antes, dessa questão da sustentabilidade, da captação, que é algo que está muito e isso permeia as organizações o tempo inteiro, esse lugar de “como é que vou existir daqui cinco anos, daqui a dez anos?”,  às vezes “como é que eu existo daqui a um mês?”, a gente precisa promover cultura de doação e, para promover cultura de doação, a gente precisa ser criativo e inventar formas de juntar e não só olhar para os grandes doadores, mas de olhar para os pequenos doadores também e juntar pequenos recursos. A gente precisa criar novas oportunidades para as pessoas doarem, novas formas para as pessoas doarem. Quando a gente olha, por exemplo, para diversidade de causas, agendas que há vinte, trinta anos atrás não existiam, não estavam na pauta e hoje estão e que precisam de recursos, mas que às vezes tem poucos grandes financiadores olhando para isso, então você precisa criar novas formas que pessoas não tem tantos recursos também possam participar dessa possibilidade de mobilizar doações para causas que tenham menos visibilidade e aqui eu estou falando especificamente de filantropia colaborativa, como é que a gente pensa mecanismos e arquiteturas mais colaborativos para promover doação. E para a gente pensar como é que promove colaboração entre organizações que trabalham na mesma causa, aí eu acho que é uma outra conversa que precisa ser feita. Acho que o trabalho aqui é um pouco diferente. E acho que talvez uma coisa esteja muito conectada a outra, se a gente conseguir crescer o bolo, talvez seja mais fácil a gente conseguir criar espaços de colaboração e se ver menos como concorrentes e mais como parceiros para resolver um problema, para resolver uma causa, né? 

 

Roberta: Com certeza. Acho que tem muitos bons exemplos disso na publicação, no GIFE, e tudo o que a gente viu durante a pandemia mesmo, os fundos filantrópicos, por exemplo, por organizações pequenas que sozinhas nunca conseguiriam acessar os recursos que receberam e conseguiram porque estavam rede, formando super fundos para receber dos grandes doadores. Pessoas físicas, jurídicas muitas vezes querem um alcance maior e a maneira de ter um alcance maior, se você não é uma ONG de atuação nacional e quase nenhuma é em um país continental como o Brasil, só mesmo trabalhando em rede, colaborativamente, e aí você tem números maiores de beneficiados e pode acessar valores maiores de financiamento. 

 

Erika: Exato. E acabei de me lembrar de uma outra coisa também, que eu acho que vale incluir, porque eu falei um pouco da perspectiva das organizações que captam recursos, mas tem também o lugar de quem doa os recursos, da colaboração de quem doa e aí, vocês tiveram até um episódio sobre isso, que foi sobre grantmaking, né? E acho que uma das coisas com a qual a colaboração contribui, a filantropia colaborativa, a colaboração na filantropia é justamente com o grantmaking. Porque você não consegue criar processos colaborativos de doação e fazer projetos próprios, são coisas que são contraditórias entre si. Se você tem recursos de vários doadores ali em algum lugar, o projeto que vai nascer dali ou é um projeto de terceiros ou você está doando para a sociedade civil, ou então, você está construindo um projeto que, no mínimo, é um projeto de todo mundo que está colocando dinheiro ali, então de alguma forma estes mecanismos e acho que é muito importante também, quem tem o recurso para doar, pensar sobre isso porque acho que isso muda muito a forma como quem doa, doa. Atuar de forma colaborativa muda muito a forma de doar. Influencia muito a forma de doar, vai trazer elementos novos necessariamente para este processo. E só uma coisa também, aproveitando que eu também acho importante dizer aqui, reconhecer, que uma das coisas quando eu saí do GIFE e assumi no Instituto ACP, umas das coisas que me deixou muito motivada foi “poxa, que legal, agora eu vou poder exercitar tudo aquilo que eu ficava falando para os outros fazerem”.
É meio espaço de pregação, você vai identificando as tendências, enfim, vai olhando para o campo e vai tentando de alguma forma influenciar uma transformação obviamente que seja positiva no conjunto da obra. E quando eu vim para cá, eu falei “que legal, agora eu vou poder exercitar isso”  e, obviamente eu  vim com muita vontade de poder exercitar espaços e  processos colaborativos, e a gente tem trabalhado em algumas iniciativas com esse perfil mais colaborativo dentro do Instituto ACP e é difícil, é desafiador. Não é todo o dia em que acordo super empolgada, mas tem uma premissa que eu realmente acredito que a gente precisa aprender a trabalhar colaborativamente e que a gente precisa construir repertório para trabalhar colaborativamente, porque a gente não tem esse repertório. Eu falei de governança lá no começo, fiz aqui um conceitual muito básico e simples de governança, mas que formas de governança existem? quem entende dessas formas de governança? quem já aplicou essas formas de governança? A gente não entende disso, a gente sabe muito pouco sobre isso, a gente tem muito pouco repertório sobre isso, então a gente precisa treinar, porque não tem outro jeito. Para você aprender a fazer uma coisa, você tem de fazer. Tem de estudar, mas não só estudar, você precisa praticar. Então é isso, eu queria deixar essa mensagem.

 

Roberta:  A prática, as boas práticas, criar cases para poder espalhar essa notícia, esse modo de trabalhar. A gente gravou um episódio anterior a esse, com a Fundação Tide Setubal, e para quem não ouviu, está aí o anterior, com a Mariana, superintendente da Fundação Tide Setubal, e ela comentava sobre a dificuldade de inovar no terceiro setor que tende a ser muito conservador nas suas escolhas de doação, de querer repetir práticas que já existem para garantir que o recurso vai ser totalmente utilizado da melhor forma possível, em uma lógica que é muito de mercado de querer arriscar pouco e acertar o máximo, cumprir métricas e aí, por isso, se acaba desperdiçando essa grande liberdade que é de ser um filantropo, um grande doador, que é de ter mesmo mais liberdade para escolher como se faz as coisas, por exemplo, atuando de forma colaborativa e não mais dessa forma conservadora de escolher um único projeto ou criar seu próprio projeto, em vez de trabalhar em rede e apostar em novas frentes, em quem é menor, em quem é novo. 

 

Erika: Exatamente. É isso, transgredir o status quo. Transformar o status quo não é tarefa fácil. Exige bastante energia, vontade, perseverança, persistência. Mas é isso, acho que a gente precisa primeiro acreditar que colaborar é importante e se a gente não acreditar, lá no fundo do nosso coração, pode ser que a gente desista no capítulo dois.

Roberta: Que massa, que papo sincero e bom e necessário. Muito obrigada! O nosso tempo já deu, a gente tem muito mais coisas para falar, mas muito obrigada por ter vindo conversar com a gente sobre essa experiência e quem quiser saber mais sobre  o trabalho do Instituto ACP, pode conferir o site institutoacp.org.br. Vale também conferir o estudo elaborado pela Erika para o GIFE, o Grupo de Institutos Fundações e Empresas, chamado Filantropia Colaborativa. Ele está disponível gratuitamente para download na internet, vamos deixar o link da descrição do episódio. 

 

Roberta: Agora para fechar… a gente quer te convidar pra nossa rodada relâmpago. Erika, é algo bem simples, nós vamos te fazer cinco perguntas rápidas e você responde com a primeira coisa que vier à sua cabeça. Ok?

 

Erika: Tá bom! 

 

Roberta: Qual foi a sua doação mais recente?

 

Erika: Foi para um podcast. Eu sou fã de podcasts, adoro! São meus companheiros para lavar a louça, para caminhar, para correr, para muitas coisas e eu tenho escutado muito um podcast sobre política e economia internacional, que se chama Petit Journal e já escutava bastante e com a Guerra da Ucrânia passei a escutar muito mais, passei a acompanhar a guerra ouvindo podcast e nunca tinha doado, e aí eu doei esse mês.

 

Roberta: Qual é a sua causa do coração?

 

Erika: Olha, essa daqui.. eu já ouvi vocês várias vezes e sempre pensei: nossa eu não sei o que eu responderia e continuo sem saber o que responder. Não consigo saber o que é a minha causa do coração. Sabe que faço várias vezes essa reflexão sobre qual é a causa das causas? Onde é que está o ponto, que se você for ali, vai impactar em tudo…

 

Roberta: Bem, eu digo que a doação é a causa das causas…

Erika: É, pode ser. Eu, por via das dúvidas vou atuando em várias e dependendo do dia eu estou em uma diferente, mas vou trazer duas aqui e eu concordo com você que a doação é talvez uma das causas das causas, mas desde que eu era muito pequena eu lembro que educação era uma coisa que estava sempre muito presente, de ser uma coisa que me bate assim e puxa, como seria diferente o mundo se todas as crianças tivessem acesso a educação de qualidade. E como isso tem potência para reverberar em tudo na sua vida. Então eu vou trazer essa e a outra causa que vou trazer, e vou pedir licença para trazer duas aqui, é a equidade racial, que é uma causa que eu há algum tempo tenho me envolvido muito, tenho muito interesse, muita vontade de contribuir e fico pensando também como é duro que isso só seja trazido por pessoas negras, então como é importante que outras pessoas também tragam isso como uma causa relevante, importante. 

 

Roberta: O que você doa e que não é dinheiro?

 

Erika: Tempo e olha só, para a sua causa das causas. Sou parte do Movimento por uma Cultura de Doação e dedico ali bastante tempo e gosto muito. E também conhecimento. Eu comecei a fazer um trabalho recentemente de mentoria e estou curtindo muito fazer mentoria.

 

Roberta: Cite uma organização ou um projeto que você admira e/ou apoia:

 

Erika: Eu tenho um filho de oito anos que é vegetariano desde os quatro, por iniciativa própria, porque ele tem uma empatia pelos animais, ele nasceu com isso. E se você perguntar para ele: mas por que você não come carne?, ele vai te falar “você gostaria que alguém te comesse?”. Então, eu acabei me aproximando muito desse universo e você sabe que os filhos contagiam a gente, e eu fui muito contagiada por ele e aí, nessas pesquisas que a gente faz juntos a gente descobriu um instituto que se chama Instituto Onça Pintada que trabalha para a preservação das onças pintadas no Brasil e eles são uma família e eles vivem, aquilo é a vida deles. 

 

Roberta: E, por último, uma palavra para convencer alguém que não doa, a doar

 

Erika: Bem, eu acho que doar é uma coisa natural do ser humano. Se você não está fazendo, você está deixando de fazer algo que é intrínseco ao que somos a quem somos. Eu não consigo pensar em uma vida que não tenha doação de algum tipo e depois a gente pode ir influenciando para que as doações aumentem de volume, tenham mais consciência, mas doar é uma coisa que a gente nasceu para doar. Eu acho que doar faz parte da nossa essência e que faz parte da nossa passagem pelo planeta. E acho que a gente tem de sentir como algo natural, como algo que faz parte, que faz parte de quem somos. 

 

Roberta: É isso, querida. Doar é humano, concordo com você. Muito obrigada, Erika, por aceitar nosso convite para conversar conosco aqui no programa. 

 

Erika: Eu quem agradeço, podem me convidar que voltarei, sempre, feliz.  

 

Artur: Muito bacana essa conversa com a Erika. E agora vamos para a nossa colunista Duda Schneider com o Merchan do Bem. Vamos ouvir a dica de hoje?

 

Duda:  Oi, gente! Eu sou a Duda Schneider e esse é mais um Merchan do Bem!

 

Consciência ambiental tá cada vez mais na moda, não é mesmo?! E, ainda bem, afinal a indústria têxtil depende fortemente de recursos não-renováveis. Por ano, são mais de 98 milhões de toneladas de recursos que não irão voltar para a natureza consumidos mundialmente, de acordo com o relatório “Uma nova economia têxtil“, produzido pela Fundação Ellen Macarthur.

 

Repensar o consumo e contribuir para a redução do impacto no meio ambiente é dever de todos nós! 

 

E a dica de hoje são as camisetas Daniel Cady. As coleções, pensadas para crianças e adultos, reverenciam a natureza brasileira com estampas de árvores nativas, frutas e abelhas! 

 

A cada camiseta vendida, uma árvore é plantada na Mata Atlântica. Além disso, a marca participa do Programa 1 peça igual a 5 pratos criada pela marca Reserva e que já doou mais de 67 milhões de pratos de comida desde o início da ação, em 2016.

 

Legal, né? Para conhecer os produtos e contribuir com a natureza, acesse o site loja.danielcady.com.br 

 

Até a próxima!

 

Roberta: Essa entrevista me deixou bem reflexiva, Artur. Acho que a Kika tocou em pontos muito importantes quando a gente fala de colaboração. Começando pelo sentido amplo, de que todo mundo reconhece que precisa cooperar, mas nem sempre consegue dar esse passo.  Ao mesmo tempo, os exemplos recentes bacanas de gente fazendo junto, criando formas até disruptivas de colaborar, ilumina a nossa cabeça para o que pode ser esse futuro, né?

 

Artur: Pois é, e muitas vezes eu sou da crítica de que “cachorro que tem muito dono, morre de fome”. Enfim, eu sou absolutamente a favor da colaboração, principalmente no terceiro setor, que tem tantas demandas, tanta complexidade e normalmente faltam recursos suficientes para você bancar tudo sozinho, mas de fato eu tenho notado que principalmente nesse momento em que a gente está vivendo, que teve principalmente uma intersecção das grandes empresas com o terceiro setor, existem algumas colaborações que são desbalanceadas. Tem que tomar muito cuidado para a colaboração não virar exploração e precisa ser um ganha-ganha de fato, principalmente sempre ter claro que o objetivo do impacto social sobrepõe os interesses de cada um dos lados em todos os sentidos. Então é não deixar o marketing escorregar além da conta. Então, você querer, nessa daí, aparecer mais do que você está gerando de impacto de fato, nem do outro lado, você querer só contar com dinheiro do parceiro capitalista e não querer dar crédito ou qualquer coisa assim, meio com vergonha de quem paga a conta. Tem de ser de fato um mesmo barco e todos os participantes remando para o mesmo lado, com o objetivo claro de chegarem a algum lugar. E é o que faz as parcerias de sucesso darem  certo, a gente vê muitas que seguem essa pegada, mas temos visto também algumas que às vezes não duram ou então acabam…

 

Roberta: É um trabalho em que um carrega os outros nas costas… 

 

Artur: … é, e põe o nome de todo mundo. 

 

Roberta: É, eu acrescento a isso uma reflexão que me deixou essa conversa, que acho que vale para todo mundo que nos ouve, que é pensar o quanto a gente realmente está disposto a colaborar e o quanto a gente perde também, quando a gente deixa de fazer isso. Eu testemunho no nosso trabalho, no Grupo MOL muitos momentos em que as organizações do terceiro setor se enxergam como concorrentes e não como colaboradoras. Existe um medo de se envolver, de se ajudar, de fazer coisas juntos, porque assim eu posso ser sabotado, podem puxar meu tapete, podem roubar o meu financiador. E isso é muito triste, no terceiro setor onde a gente deveria ser exemplo de colaboração, de ética, de boas práticas, a gente ter medo de trabalhar junto porque alguém pode usar o nosso esforço de maneira indevida, alguém pode puxar o nosso tapete. Eu acho que todo mundo que escuta, tem um caso assim para contar, de um trabalho com outra organização que terminou assim ou que nem começou por causa disso.
Eu falo especificamente de um mais recente para mim, que foi o Dia de Doar, em que a gente contribuiu na campanha de comunicação ano passado e a gente ouviu muito esse testemunho, estranhamente de organizações do terceiro setor que não queriam se envolver com o Dia de Doar porque se eu fizer propaganda de Dia de Doar eu vou estar fazendo propaganda para as outras organizações, eu vou perder o dinheiro se eu falar sobre isso nesse momento, melhor eu não competir com as minhas outras datas e é um clássico exemplo de um comportamento que na verdade depõe contra todos nós. Porque se a gente colabora todos juntos, a gente aumenta o bolo e se aumentar o bolo, tem mais para todo mundo do que eu ficar preso ali no meu pequeno território, querendo defender com unhas e dentes e deixar de explorar outros. A gente não só dá, quando a gente colabora, a gente também ganha. Ou deveria. E é isso que a gente tem de pensar em todos os projetos que a gente faz: a gente está dando tanto quanto a gente está recebendo? a gente está recebendo tanto quanto a gente está dando? Contribuindo para que um mais um seja mais? ou é só para fazer mais do mesmo? fazer o mesmo que a gente poderia fazer sozinhos e só assinando embaixo? Se for isso, realmente não vale a pena colaborar, mas acho que dá para fazer bem mais quando a gente se complementa. 

 

Artur: Por hoje é isso pessoal, mas o papo continua nas nossas redes sociais, segue a gente lá no nosso Instagram @institutomol e no LinkedIn. Mas antes de você correr para nos seguir, não esqueça de nos seguir na plataforma de áudio em que você está ouvindo esse programa! Assim, sempre que tiver um episódio novo, você recebe uma notificação para não perder nenhum dos nossos ótimos papos.

 

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Artur: Semana que vem estamos de volta! Esse podcast é uma produção do Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, da Morro do Conselho Participações e da Ambev, além da divulgação do InfoMoney. Esse episódio teve produção de Guilherme Dearo. O roteiro final e direção são de Vanessa Henriques e Ana Julia Rodrigues, e arte de Glaucia Ribeiro, do Instituto MOL. As colunas são de Rafaela Carvalho e Duda Schneider, da Editora MOL. A edição de som é do Bicho de Goiaba Podcasts. Até a próxima!

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