TRANSCRIÇÃO EP #91 – O Brasil tem ONG

ROBERTA:  Salve, salve nação doadora!

Tá no ar o seu podcast favorito sobre cultura de doação, produzido pelo Instituto MOL com apoio do Movimento Bem Maior.

Aqui, você fica por dentro dos assuntos do momento na filantropia e na cultura de doação, a partir de informações, pesquisas e entrevistas com importantes personagens do setor no Brasil.

Tudo de forma clara e objetiva, sem enrolação.

 

Eu sou Roberta Faria.

 

ARTUR: Eu sou Artur Louback.

 

E, semana sim, semana não, a gente te convoca a vir junto nessa conversa, pra inspirar mais e mais pessoas e empresas a doar! Doar com propósito, com consciência e com o coração!

 

Afinal,

 

ROBERTA/ARTUR: aqui se faz, 

aqui se doa!

 

ROBERTA: Olá, estamos de volta!

 

Você já deve ter ouvido alguém comentar, naquele tom ressabiado que a gente conhece bem, que o Brasil tem, entre aspas, ONG demais, fecha aspas. Geralmente, esse tipo de observação vem de quem desconfia do trabalho das organizações …

 

Todo mundo aqui já ouviu essa história: a de que organizações da sociedade civil só estão aqui para drenar recursos públicos ou para servir a esquemas de lavagem de dinheiro, um mito que se fortaleceu na era Collor. 

 

Casos como esse ainda hoje permeiam discursos, especialmente da extrema direita — que não apoia  políticas  para o desenvolvimento social. E para quem não acompanha o dia a dia suado das organizações do terceiro setor, causam desconfiança. 

 

ARTUR: Para pensar se temos organizações demais ou de menos, vamos aos números. O levantamento divulgado em 2023 pelo Mapa das OSCs, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apontou que o Brasil tem mais de 815 mil Organizações da Sociedade Civil. Já a última pesquisa Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil (FASFIL), do IBGE, mais antiga, de 2016, apontou que temos mais de 237 mil organizações.

 

Será que é muito? Vamos fazer uma breve comparação para ter um parâmetro de análise.

 

Segundo dados trazidos pela diretora executiva da Chapel & York Canada Foundation, Ligia Peña, no último Festival da ABCR, há 1.9 milhão de organizações não governamentais em funcionamento nos Estados Unidos. Já no Reino Unido, existem cerca de 220 mil organizações sem fins lucrativos, segundo uma pesquisa de 2023 do Global Giving Atlas.

 

ROBERTA: Bem, como vimos são milhares de organizações presentes em nosso território, mas será que podemos dizer que elas são “demais”? Bom, pra chegar a alguma conclusão, a gente precisa enriquecer o nosso olhar sobre os números.

 

Em primeiro lugar, precisamos colocar esses números diante dos desafios socioambientais que enfrentamos em nosso país. Ah, e vale considerar, é claro, o impacto social positivo que elas trazem aos seus territórios. 

 

Para nos ajudar com essa análise e aprofundar o debate, convidamos a Doutora em Ciência Política e Coordenadora de Desenvolvimento, Gestão e Atualização do Mapa das OSC, do IPEA, Carla Bezerra.

 

Mas antes de chamar a entrevista, vamos ouvir a Stéfane Rabelo, diretora executiva da Nexo Investimento Social e cofundadora da rede Igapó — Projetos Incentivados da Amazônia

 

Stéfane Rabelo: Não, nós não temos muitas organizações da sociedade civil. As OSCs são quase um indicador de democracia. Quanto mais nós temos uma sociedade civil pulsante, organizada e atuando no setor social, melhor para o índice democrático do nosso país. Tem um índice do próprio IPEA que diz que O índice per capita das OSC a cada mil habitantes tem um impacto no IDHM. Então, quanto mais OSCs encontramos no território, maior o seu desenvolvimento local. Então temos um índice que aponta que a atuação das organizações ou apoia ou é um reflexo do desenvolvimento local. A gente acredita, na Nexo, que é quem tá no dia a dia, quem tá vendo a rua, a creche, o posto, é a população. A gente acredita que é a população que vê esses problemas e encontra soluções pra eles. A primeira APAE foi criada quase 50 anos antes da Política da Pessoa com Deficiência. Ou seja, dezenas de anos antes do Estado reconhecer os direitos da pessoa com deficiência, familiares e amigos de PCDs criam um espaço para promover essa inclusão, 50 anos de uma política nacional..

 

ROBERTA: E a Stéfane traz um ponto importante aqui para a nossa conversa, Artur. 

 

Tão ou mais importante do que pensar no número de OSCs existentes em nosso país é entender se essas instituições estão exercendo impacto social positivo e colaborando para que mais pessoas possam exercer cidadania. 

 

E também não dá pra deixar de observar a longevidade das OSCs quando a gente estuda o número de Organizações ou o impacto que elas exercem em seus territórios…  

 

ARTUR: Pois é, um estudo do IPEA, aponta que pelo menos 1/3 de todas as ONGs criadas no Brasil nos últimos 120 anos fecharam. Entre 2010 e 2019, os fechamentos foram superiores em quase metade do número de aberturas.  Ou seja, muitas Organizações têm dificuldades de manter suas atividades a médio e longo prazo.

 

Outro aspecto que vale a nossa atenção quando observamos o número de OSCs no Brasil é a sua distribuição. No Norte, segundo dados de 2023 do Mapa das OSCs, existem mais de 55 mil organizações, o que dá em torno de 6,9% do total. Para se ter uma comparação, no Sudeste, esse número chega a 323 mil.

 

ROBERTA: E pra falarmos sobre isso, vamos chamar agora a entrevista com a  Doutora em Ciência Política e Coordenadora de Desenvolvimento, Gestão e Atualização do Mapa das OSC, do IPEA, Carla Bezerra.

 

ROBERTA: Carla, primeiramente, agradecemos muito por sua presença aqui no nosso podcast! Para abrir essa conversa, a gente queria entender um pouquinho do que está por trás do trabalho do Mapa das OSCs. Qual é o objetivo do Mapa e do seu estudo sobre o número de organizações da sociedade civil existentes no Brasil?

 

CARLA: O mapa surge no contexto da elaboração do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Ele surge como uma das ferramentas dentro do Marco Regulatório de dar mais transparência e publicidade de forma mais clara para a sociedade, não só na lógica dos órgãos de controle, mas como você passa para a sociedade o que são as ONGS? Quantas existem? Onde elas estão? O que estão fazendo? O Mapa das OSCs é, essencialmente, uma ferramenta de transparência e publicidade sobre as relações entre Organizações da Sociedade Civil e Estado. 

 

Para dar um contexto para quem talvez não saiba o que é o Marco Regulatório. Ao longo dos anos 1990 e 2000, a gente teve uma série de processos que criminalizaram as ONGs. Foram 2 CPIs das ONGs, uma ainda na década de 90 e depois outra que foi instalada em 2007, então foram uma série de processos que questionaram o repasse de verbas públicas para organizações da sociedade civil. A partir disso surgiram várias sugestões de melhorias da legislação, já que não havia uma regulação própria para as organizações da sociedade civil, elas seguiam as regras de convênios das prefeituras, sem considerar toda a especificidade de estrutura de uma organização sociedade civil.

 

Foi um longo processo. Em 2010, a partir dessa série de recomendações que, também limitaram muito o volume de verbas federais que estava sendo repassado justamente pela insegurança jurídica, uma série de organizações lançou a plataforma por um novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Mais de 100 organizações apresentaram para todos os candidatos à presidência nas eleições de 2010 uma carta compromisso para aperfeiçoar a legislação, com a Dilma Rousseff eleita isso passou a ser discutido e implementado ao longo de 2011 até que, finalmente, em 2014 quando é enfim aprovada a legislação, que a gente sabe que ainda hoje está em processo de regulamentação em alguns Estados. Esse é o contexto do Marco, e ele e o Mapa das OSCs são indissolúveis. 

 

Ele é muito conectado com esse esforço porque ele não é uma coisa assim que surge nada do nada. O Mapa das OSCs está dentro desses numerosos esforços, pensando: como é que a gente dá transparência para esses dados e evita justamente os processos de mal uso da informação. Mas, ainda sim, hoje em dia temos uma nova CPI das ONGs instalada, então é um tema recorrente e um esforço constante.

 

ROBERTA: Uau! Que aula! Obrigada por todo esse contexto e voltando ao mapa, nós temos uma dúvida. Carla, os números apurados pelo Mapa das OSCs do IPEA e do IBGE diferem bastante, né? Qual é a diferença entre as metodologias? Por que o IPEA opta pela metodologia que adota? Um número é mais confiável que o outro ou eles só mostram diferentes perspectivas sobre o Terceiro Setor?

 

CARLA: Os dois dados são baseados em fontes oficiais, então ambos de alta confiabilidade. A diferença, na verdade, é a base de análise utilizada. A seleção começa com os critérios internacionais estabelecidos por uma agência da ONU do que pode ser considerado uma organização da sociedade civil. 

 

Tanto o IPEA quanto o IBGE fazem uma seleção de organizações privadas, ou seja, não integram o aparelho do Estado, não tem relação com o setor público; sem fins lucrativos, ou seja, voltados para a atividade econômica e não distribuem lucros; legalmente constituídas, ou seja, no Brasil, por exemplo, ser legalmente constituída é possuir um CNPJ, o que já exclui muitas associações de bairro que estão ativos há muito tempo, mas não tem CNPJ; alta administradas, ou seja, aquelas não dependem de uma organização que seja vinculada ao setor público, o que exclui, por exemplo, partidos políticos e sindicatos que, embora sejam privados, têm algum tipo de conexão legislação específica; e, por fim, presença de voluntários.

 

Esses critérios valem tanto para a análise do IBGE quanto para a do IPEA. Onde está a diferença? Na aplicação desses critérios. 

 

Quando a gente aplica esses critérios sobre toda a base de dados de CNPJ da Receita Federal, mais de 20.000.000 de CNPJs e vamos aplicar uma seleção em cima dessa base. Mas, essa não é a base final utilizada, mas sim a do CEMPRE, o cadastro de empresas do IBGE. O CEMPRE faz um recorte em cima de todas as empresas que declararam exercer atividade econômica dentro do território nacional. 

 

Como o IBGE faz a pesquisa do número das ONGs então? Dentro daquelas entidades no cadastro nacional de pessoas jurídicas que declararam exercer atividade econômica, o IBGE aplica os mesmos critérios que a gente aplica de organizações sem fins lucrativos, privados, autoadministradas voluntárias e faz um recorte. 

 

Então o IBGE vai estar trabalhando em cima de um número muito menor. Para fins de comparação, existem, mais ou menos, 20 milhões de CNPJs, desses 815.000 mil podem ser considerados OSCs, o que dá, em torno de, 4%, na nossa metodologia. No IBGE, eles pegam os dados do CEMPRE e chegam a 5 milhões, 236 mil podem ser consideradas OSCs. Na proporção não tem muita diferença, é 4,6% do total.

 

Essas 236 mil são, provavelmente, aquelas organizações mais formalizadas e têm vínculos empregatícios ativos. Infelizmente, muitas organizações não têm esse perfil. Então essa é a grande diferença entre as metodologias. 

 

Resumindo as diferenças para esclarecer. A principal é a base de dados, a gente olha para os dados da receita e o IBGE olha os dados do CEMPRE, que é o cadastro de empresas do IBGE e esse cadastro só considera empresas e organizações que exercem alguma atividade econômica e tem vínculos empregatícios ativos. A gente não tem esse corte então, de alguma forma, é fácil estar incluso dentro dos dados do mapa, já que são um pouco mais abrangentes. Os dois são confiáveis. 

 

ROBERTA: Obrigada pelo esclarecimento! Agora passando para a pergunta do episódio. Dentro do processo de décadas de criminalização das ONGs, ainda mais acelerado nos últimos anos com as fake news e a polarização política, a gente escuta com frequência comentários sobre ter “ONG demais no Brasil”, como se não precisasse de um número “tão alto”, quando o número é apresentado, muitos falam que muitas dessas ONGs nem fazem nada. Tudo isso é usado, inclusive por parlamentares, para fomentar o discurso de que as ONGs são organizações fantasmas, laranjas que só existem para roubar dinheiro e tudo mais. 

 

Queria que você falasse, considerando o tamanho do Brasil não só enquanto população, mas também em tamanho da nossa desigualdade que marca a nossa realidade, o número de ONGs, na comparação com o contexto de outros países, pode ser considerado alto? Ou não está nem perto de ser suficiente? Que parâmetro podemos usar para fazer essa análise?

 

CARLA: Normalmente, esse tipo de fala não está baseada em nenhum dado oficial. “Tem ONG demais” é uma fala do senso comum. Vamos pensar: 815 mil é um número alto ou baixo? Se considerarmos que temos 20 milhões de empresas, 815 mil de organizações da sociedade civil não é um número alto, está nos 4% disso. Mas, antes de pensar se o número é alto ou baixo, precisamos entender o que o número significa. 

 

Nos estudos sobre democracia sociedade civil no âmbito Internacional, o número de OSCs é o que chamamos de densidade associativa de um país. Quanto maior o número de OSCs por habitante, maior a densidade associativa que está associada a uma democracia mais forte, instituições democráticas mais estáveis, maior acesso a direitos sociais e menores índices de corrupção. É defendido, tanto por estudiosos quanto por agências internacionais, que a sociedade civil é um ator importante no combate à corrupção, porque ela é um ator externo com capacidade de fiscalizar a ação do Estado, de cobrar a prestação de contas, por exemplo. Então, ter um número alto de organizações da sociedade civil é um bom indicativo, significa uma sociedade com uma democracia forte. 

 

Quando olhamos para o âmbito Internacional os dados são muito difíceis de analisar porque cada país tem uma realidade diferente, é muito difícil ter um estudo comparado com o Brasil. Mas, se olharmos para a Europa e os Estados Unidos, que é onde encontramos os melhores indicadores sociais e econômicos, eles também estão lá na frente no número de OSCs por habitantes. Os Estados Unidos se desenvolveram como nação muito por causa da grande presença de organizações da sociedade civil. Eles estão lá na frente, e o Brasil um pouco atrás. Se compararmos o Brasil com os outros países da América Latina, nós estamos muito bem, uma sociedade com alto número de atividade na sociedade civil, se comparado com a América Latina, mas, se comparada ao mundo, estamos abaixo. 

 

ROBERTA: Perfeito! Passando agora para outra discussão. Sobre a efetividade das organizações da sociedade civil, se nós fazemos o trabalho do Estado. Antes de discutir, vamos passar para os números. A Stéfane Rabelo, que participou aqui do nosso podcast, citou um estudo do IPEA feito lá em 2018, chamado “Perfil das Organizações da Sociedade Civil no Brasil”. E apesar de já ter alguns anos, tem um dado que vale observar: nas regiões Norte e Nordeste, onde os índices de Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, o IDHM, são menores, o número de OSCs é menor. O que esses dados podem indicar pra gente? As OSCs têm influência direta no Índice de Desenvolvimento Humano dos territórios onde atuam ou são influenciadas por ele?

 

CARLA: Como eu comentei, normalmente, um número maior de organizações da sociedade civil ocorre em lugares onde já existem melhores Índices de Desenvolvimento Humano. Existe alguma proporção, mas não podemos avisar que existe uma ligação. Podemos dizer que é um processo que ocorre de forma simultânea, ainda sim observamos que um ambiente que tem mais acesso aos direitos permite uma maior formalização das organizações. Foco nisso, estamos falando de organizações formais, pode ser que, em um ambiente que tem menos acesso a direitos você também não consiga regulamentar as organizações da sociedade civil, em ditaduras, por exemplo, elas são até proibidas. Se você não tem acesso à direitos, não consegue nem criar ou formalizar uma organização, isso não significa que não tenha uma sociedade civil ativa, mas a gente está falando de organizações formais, um ambiente com mais regularidade nas fontes de financiamento. Então não é que as organizações geram mais direito, mas as coisas vão caminhando juntos. Um ambiente com mais acesso a direitos também permite maior formalização das ONGs. 

 

Pensando na questão que ocorre no Norte e Nordeste do país, antes é preciso comparar com proporção. O número do IDHM é em relação ao número da população, é comparado e não absoluto. 

 

Se a gente olhar os dados, na verdade, do Sudeste e do Norte, por exemplo, não existe uma diferença tão grande em números. O Sudeste tem 42% da população e 41% das organizações da sociedade civil, ou seja, é proporcional, já na região Norte que tem 8,9% da população e 7,2% das organizações da sociedade civil. Então é uma proporção apenas levemente menor em comparação com a Região Sudeste, essa diferença está relacionada a alguns índices. 

 

ROBERTA: Carla, e agora falando do número dessas organizações. Como tem sido o crescimento? A gente imagina que o pós-ditadura e o Marco Regulatório tenham ajudado a formalizar muitas organizações. Observamos um período de crescimento no número de organizações nos anos 90 e 2000, mas, a gente sabe que, hoje em dia, os números estão diminuindo. Segundo um artigo da Fundação Norberto Odebrecht para o portal do GIFE, “se o número de OSCs não têm crescido como antes, pode ser um sinal de que a sociedade está manifestando sua consciência social e ambiental de formas que ainda não visualizamos perfeitamente”. Você concorda com essa afirmativa? No seu ponto de vista, que fatores explicam a redução no crescimento de OSCs no Brasil? Estão surgindo novas formas de se organizar e de atuar? O terceiro setor é um setor que pode estar encolhendo por outras razões? O que você acha que explica esse ciclo?

 

CARLA: De fato, a gente tem uma mudança na tendência. Do período de redemocratização até meados dos anos 2010. Nessa época sempre vimos uma crescente, que agora se transformou em um declínio das associações privadas, mas a gente continua com uma tendência de crescimento para as organizações religiosas. Vários motivos podem explicar isso, não necessariamente ligado a um declínio real da sociedade civil. Quero antes falar sobre o texto da Janine Mello sobre a dinâmica das OSCs, ela vai mostrar que o fechamento está muito concentrado em um período específico, entre 2009 e 2015, em que você tem aí 72% das baixas de CNPJ e quase todas elas estão relacionadas com uma nova regra que tinha sido editada e dizia justamente que o CNPJ tem que ser baixado depois de 2 anos sem declaração. De novo, estamos olhando para o mundo formal, ainda que muitas não estejam nesse mundo. Uma das hipóteses para essa redução pode ser apenas devido às mudanças no cadastro de CNPJs, ou seja, não é uma diminuição nos números apenas um ajuste de dados. 

 

Uma segunda hipótese tem a ver aí com a relação entre associações privadas e organizações religiosas. A figura jurídica de “organizações religiosas” não existe até 2002, então as igrejas se cadastravam como associações privadas. Com o novo código civil em 2002 você cria essa nova categoria jurídica. Então, ao longo do tempo, fomos observando uma mudança gradual de igrejas que estavam estruturadas como organizações como associações privadas e que foram migrando para organizações religiosas. No Brasil, o associativismo ligado às denominações religiosas é muito importante. As organizações da sociedade civil ligadas a algum tipo de denominação religiosa prestam uma série de serviços na área da assistência social, saúde, cultura e outros para além do professar a fé. 

 

Por último, o que tem sido mais discutido, pode ser que realmente tenhamos uma redução substantiva das organizações e isso deve-se, segundo a hipótese, a crise econômica e política no Brasil, a partir de 2014 2015, com um declínio significativo dos repasses de recursos para organizações por parte do Governo Federal. Em um contexto de crise econômica, o setor privado também reduz suas transferências, então isso também pode estar ocasionando esse cenário de declínio. Sem as fontes de financiamento pode ocorrer o fechamento das organizações, mas, se esse for o caso, com uma melhora da situação econômica do país isso pode ser revertido.

 

ROBERTA: Carla, como pesquisadora, o que você pode sugerir de política pública para fortalecer o campo? O que você vê como mais urgente no Brasil? Que ainda não existam na nossa legislação ou no Marco, mas que pode servir como forma de incentivo para o terceiro setor

 

CARLA: Eu acho que a gente precisa implementar 100% o Marco, porque isso não aconteceu até hoje. É uma lei nacional, mas cada município precisa ter sua própria regulamentação, e nisso a reforma tributária vai até ajudar porque, indiretamente, vai apoiar no processo de regulamentação, porque isso facilita alguns ajustes de como são aplicadas as isenções tributárias para organizações da sociedade civil e outras melhorias. As diretrizes já são boas. A gente não precisa criar novas soluções, mas sim implementar efetivamente o que já está previsto e que ainda não está sendo plenamente executado. 

 

ROBERTA: Para encerrar, o que a gente pode fazer, coletivamente, para reconhecer o papel das OSCs nos índices de desenvolvimento humano, transformação social e no combate à desigualdade? Como a gente pode agir como sociedade civil ou como o governo para fortalecer esse papel e a confiança nas organizações? 

CARLA: A gente, enquanto IPEA, tem o compromisso de estar sempre produzindo dados confiáveis e transparentes. O mapa também é um esforço de tornar esses dados acessíveis para o grande público.Uma plataforma que seja interativa e que sirva tanto para pesquisadores quanto também para um usuário comum, que quer tirar alguma dúvida, por exemplo. A gente sabe que ainda não está nesse patamar, mas segue trabalhando sempre para melhorar. 

 

Isso da parte do IPEA, agora da parte da sociedade civil eu acho que campanhas que evidenciem o papel e a importância das organizações na prestação de diversas políticas públicas, em uma parceria com o Estado, o que não significa ausência do Estado, mas significa, na verdade, um reforço da lógica de interação que apoia tanto o Estado quanto a sociedade civil. Um apoiando o outro se ganha mais capacidade de atender a população e todo mundo sai ganhando. Acho que seria um caminho interessante.

 

ROBERTA: Carla, agora é o momento de vender seu peixe! Para acompanhar seu trabalho, onde olhamos as atualizações?

 

CARLA: Nós estamos em uma fase de melhoria do mapa. Estamos atualizando os dados, o que acontece a cada 2 anos, então, até o fim de 2023, ele vai estar atualizado. Ao mesmo tempo, a gente também está mexendo na estrutura do portal, buscando deixá-lo mais intuitivo, um portal reformulado deve estar pronto no início do ano que vem. Além do site, nós divulgamos nossas atividades nas redes sociais do Ipea, no Linkedin, Twitter, Instagram e Threads. 

 

ROBERTA: Então tá, querida, muito obrigada por essa aula, foi muito esclarecedor! Espero que a gente se encontre de novo por aqui. Sempre que tiver novidades pode me avisar que a gente faz um episódio pra contar mais e aprofundar.

 

CARLA: Obrigada, Roberta, foi um prazer estar aqui! 

 

ARTUR: Muito importante essa conversa, Roberta. Afinal, um dos melhores recursos que a gente tem para reduzir a desconfiança e abrir o olhar de mais pessoas para a importância do Terceiro Setor é esclarecer seus processos, números e, principalmente, reconhecer seus méritos e desafios.

 

Nós temos muito o que caminhar para que a população entenda as dinâmicas do nosso setor e como contribuímos com o nosso país. E esse é o nosso propósito aqui

 

Aproveitando essa deixa aqui para estender nossa conversa, vamos dar uma olhada nas sugestões de conteúdo que temos pra hoje? É hora do quadro “Pra Saber Mais”!

 

ROBERTA: Olha só, se este episódio aqui trouxe uma série de dados para combater os mitos e preconceitos que ainda existem em relação ao Terceiro Setor, tem um artigo super legal que também desmistifica alguns conceitos meio errados que essas fake news propagam por aí. 

 

Lá no portal Aupa, especializado no ecossistema de impacto social, o jornalista Rodrigo Mendes mostrou porque tanta gente ainda faz o uso incorreto da palavra ONG. Ele também explicou porque OSC é o melhor termo e como ele nos ajuda a entender o papel dessas organizações em nosso país!

 

ARTUR: Gosta de uma visualização inteligente de dados? Vale dar uma conferida nas análises que o Mapa das OSCs constrói a partir de sua base de informações. Em março deste ano, a iniciativa publicou um estudo sobre a atuação de OSCs na defesa dos direitos das mulheres. Basta acessar a aba de Dados do portal do Mapa.

 

E para entender a importância de incentivarmos organizações da sociedade civil na Amazônia Legal e como elas podem trazer novas perspectivas para a assistência social em nosso país, vale a pena conferir o longa “Waapa”, co-produção do Instituto Alana e do Território do Brincar. 

 

A produção faz um percurso pela infância do povo Yudja, do Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. No filme, a gente acompanha a visão dos indígenas sobre as brincadeiras e como os ritos de passagem da infância ganham uma dimensão espiritual praquela comunidade. O curta-metragem está disponível no site PortaCurtas.

 

ROBERTA: Artur, depois da aula da Carla e pensando também no ecossistema por onde a gente transita, a minha sensação é de que, na verdade, a gente tem organizações de menos, respondendo à pergunta do episódio. Inclusive, eu penso nisso do ponto de vista de cidadã, tem várias causas que eu gostaria de apoiar, por exemplo direitos reprodutivos ou fazer mais por mulheres egressas no sistema prisional que ainda não são bem representadas por organizações grandes. 

 

É muito difícil conseguir financiamento para essas causas “desconhecidas”, inclusive para quem gostaria de ser empreendedor social acho que tem muito espaço, áreas ainda desocupadas do mercado, dado o tamanho do Brasil e dos nossos desafios que a gente tem para enfeitar ainda tem muito espaço para empreendedores sociais empreenderem nas suas causas e transformarem elas em organizações, atuando no campo para tentar resolver, pelo menos um pouquinho, de tudo isso.

 

ARTUR: Eu não sei muito como opinar. Eu prefiro pensar o seguinte: eu gosto e estimulo a união entre organizações, acho muito vindouro unir forças em prol de um interesse comum. Mas, sobre o número de organizações, eu acho que o dado mostra que não tem o suficiente. Se temos 2 milhões de organizações e esse número não é suficiente, tenhamos 3 milhões para resolver os problemas. É uma discussão irrelevante, eu acho que não vale as pessoas perderem tanto tempo assim pensando nisso, deveríamos focar os pensamentos em como dar mais recursos e  possibilidades para as organizações e seus trabalhos. 

 

E, falando na visão de um empreendedor à frente de um negócio social, eu gostaria que existissem mais negócios sociais. Algumas organizações poderiam repensar seus modelos a fim de a gente se encaminhar para um negócio próprio, que gera a renda e que tenha possibilidade de depender menos de recursos que muitas vezes inviabilizam o seu trabalho e o seu impacto. Mas, se estamos falando de: precisamos de mais ou menos organizações? Eu acho que a resposta é que precisamos resolver os problemas, se for com mais organização, ótimo, se for com menos, ótimo também. O fato que não é suficiente é uma questão de recursos, eficiência, qualificação, mais apoio e reconhecimento. 

 

ROBERTA: E o episódio de hoje infelizmente também chegou ao fim. O que você achou dos dados que trouxemos sobre o número de OSCs em nosso país? Manda sua opinião pra gente lá no nosso Instagram e LinkedIn no @institutomol. E não importa se você curtiu e quer elogiar o episódio ou só pretende deixar uma crítica, pode comentar por lá que estamos aqui pra te ouvir. Só não esquece de distribuir aquelas estrelinhas no Spotify pra que mais gente possa escutar e participar dessa conversa…

 

ARTUR: Esse podcast é uma produção do Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior. O episódio teve produção e roteiro de Ana Rodarte, com roteiro final e direção de Ana Ju Rodrigues e Vanessa Henriques, assistência de gravação de Vitória Prates, arte da Glaucia Ribeiro e divulgação de Júlia Cunha, todas do Instituto MOL. A edição de som é do Bicho de Goiaba Podcasts. 

 

Até a próxima!

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