by Instituto MOL
Artur: O novo relatório da Oxford, lançado durante o Fórum Econômico Mundial, revelou que mais de 250 milhões de pessoas correm o risco de cair na extrema pobreza em 2022. Boa parte já caiu, mas esse número pode chegar a 250 milhões de pessoas. Enquanto isso, a fortuna de bilionários aumentou o equivalente a 23 anos em apenas dois anos de pandemia.
O documento cobra a implantação de medidas tributárias que incluam a taxação de grandes fortunas. O debate é mundial, aqui no Brasil dezenas de projetos de lei para instituir o imposto sobre grandes fortunas nunca saíram do papel, embora esse mecanismo esteja previsto na Constituição de 1988, que é a que vigora hoje em dia, mas taxar grandes fortunas é uma solução? Como isso funcionaria na prática? Para falar sobre isso, a gente vai receber o Jefferson Nascimento, coordenador de pesquisa e incidência em injustiça social econômica da Oxfam Brasil.
Eu sou o Artur Louback.
Roberta: Eu sou a Roberta Faria.
Artur: E como taxas fortunas para fazer justiça social é o tema de hoje do…
Juntos: Aqui se Faz, Aqui se Doa!
Artur: Tá começando mais um Aqui se Faz, Aqui se Doa, seu podcast semanal sobre cultura de doação produzido pelo Instituto MOL, com apoio do Movimento Bem Maior, Morro do Conselho Participações e da AMBEV, além da divulgação do Infomoney.
Em 2015, o apresentador do National Geographic, Jason Silva lançou uma campanha para definir o conceito de bilionário ou para redefinir o conceito de bilionário. Para ele, bilionário não devia ser quem tem um bilhão na conta bancária, né? Como definem aí os as revistas que fazem rankings de milionários ou listas de bilionários, mas sim deveria ser bilionário aquela pessoa que impacta positivamente a vida de mais de um bilhão de pessoas. Roberta, você acha que faz sentido isso?
Roberta: Ah. Seria maravilhoso, né? Me lembra aquela frase: “Era tão pobre, mas tão pobre, que só tinha dinheiro”. Seria muito bom ter essa outra conta, mas se essa for a razão do ranking da Forbes do ano que vem acho que não terá ninguém nessa lista, porque geralmente o impacto é negativo não positivo.
Artur: Eu acho que tem por aí muito ricos que olham para esse Jason, como se fosse aquele Jason de sexta-feira 13, né? Morrem de medo desse cara.
No episódio 67, a gente falou sobre doações feitas por pessoas que têm grandes fortunas, essa seria uma maneira dos bilionários se encaixarem na definição proposta pelo Jason. Ou pelo menos se aproximarem mais disso, mas hoje a gente vai falar de outra coisa. Como eu falei na abertura, a Constituição Federal Brasileira de 1988 prevê a implementação de um imposto sobre grandes fortunas por meio de uma lei complementar, embora isso nunca tenha sido definido. Que mecanismo será esse? Como fazer? Para quem vale isso?
Roberta: Até julho do ano passado, segundo o levantamento feito pelo CNN Business, pelo menos 37 projetos sobre esse tema foram apresentados no Congresso Nacional. No geral, essas propostas prevêem alíquotas que variam de 0,3% a 5% de tributação sobre essas fortunas aplicadas progressivamente de acordo com o tamanho da riqueza. Mas, é claro, nada aconteceu até agora.
Artur: A grande questão é quem pagaria esse tipo de imposto. O quanto é ser é muito rico no Brasil? São muitos recortes possíveis e muitas experiências ao redor do mundo. A gente vai falar um pouco sobre isso, mas, basicamente, quem pagaria esse imposto seriam pessoas que estão lá no cume da pirâmide social e, possivelmente, não chegando nem a 1% da população brasileira.
A maioria das propostas não considera bens, como imóvel de residência da família ou equipamentos e espaços usados para o trabalho nessa conta, é o dinheiro mesmo, não são simplesmente heranças em patrimônios imobiliários. É quem tem dinheiro mesmo e muitas propostas propõem contabilizar apenas um patrimônio líquido.
Roberta: Exato, Arthur, não conta o apartamento financiado, o Jeep Renegade pago em cinco anos. Eu gosto muito de uma definição que circula nas redes sociais que é um pouco debochada, mas me parece sensata e simples de entender. Se você parar agora de trabalhar, você vai ter dinheiro para viver o resto da sua vida? Se a sua resposta é não, você é, no máximo, um pobre premium, mas você não é rico mesmo.
Muitos desses projetos surgiram depois da pandemia de covid-19 e sugerem a criação de um imposto apenas temporário sobre essas fortunas. Foi o que aconteceu na Argentina, onde a crise causada pela pandemia fez com que fosse criada a jato uma lei que autorizou o imposto extraordinário cobrado uma única vez. A taxação atingia cerca de 12.000 pessoas físicas e jurídicas que declararam ativos acima de US$ 2.200.000. Lá na Argentina, onde também os mais ricos não são tão ricos quanto os ricos no Brasil, 80% dos taxados cumpriram a lei. Mas cerca de 200 entraram na justiça alegando que a tributação seria inconstitucional. Claro que isso não vai ser nunca unanimidade mesmo durante uma emergência sanitária e econômica como a gente viveu.
Artur: A Roberta fez uma uma piada do que corre nas redes sociais, obviamente que quem tem um Jeep Renegade tá longe de ser pobre no contexto brasileiro, mas não é dessas pessoas que a gente tá falando nesses projetos de taxação de fortunas. Só pra gente ter uma ideia aqui trago alguns números. Os homens brancos que fazem parte do 1% mais rico da população tem uma renda média mensal de 115 mil reais, segundo estudo da FEA USP, faculdade de Economia e Administração da USP.
Roberta: E isso não contabiliza patrimônio, só a renda.
Artur: Com isso você compra um Jeep Renegade por mês. Só para colocar em letras claras aquilo que que a gente tá falando.
Roberta: Para a classe média não se apavorar e sair com camisa do Brasil na rua achando que seus bens serão confiscados, não é com essa fatia da população que está falando, mas, de fato, com as grandes fortunas.
Artur: Exato. E mais um dado do mesmo estudo. O 0,1% mais rico da população brasileira detém 12,2% da riqueza. Então a gente tá falando dentro desse grupo do R$ 115.000 por mês, se a gente pegar os mais ricos eles têm mais de 12% de todo o dinheiro do país. A gente está falando de dinheiro mesmo. E essa situação piorou desde que o estudo foi feito.
Roberta: Arthur, você lembra qual é a renda média do 1%?
Artur: O último estudo que a gente tem da PNAD Contínua, do IBGE, é de 2019. Para você fazer parte do 1% mais rico precisa ter uma renda média superior a R$ 28.700.
Roberta: Só esse valor já inclui uma fatia do funcionalismo público, de profissionais autônomos, de pequenos empreendedores que fazem parte de uma elite econômica do Brasil quando você pensa nos nossos 220 milhões de habitantes e na grande miséria que mais na metade da população vive, mas quando você fala em fortunas, eles são pobres premium. O que a gente tá falando aqui de fortuna é quem está na casa das centenas de milhões e bilhões de reais.
Artur: É um assunto polêmico. Acho que vale a gente considerar mais alguns dados que a gente tem na mesa e os estudos mais recentes. E para isso a gente vai trazer a Rafa Carvalho, que é o nosso o nosso glossário aqui do Aqui Se Faz, Aqui se Doa, para falar um pouco sobre esse assunto.
Rafa: Oi pessoal! O glossário de hoje tem cara de turnê mundial. A grande turnê mundial da taxação das grandes fortunas pelo mundo na prática.
Vamos começar pela Europa. Vários países lá testam o imposto sobre grandes fortunas há algumas décadas, mas a maioria abandonou a ideia. Hoje, só tem três países que são membros da OCDE, que é a organização para cooperação e desenvolvimento econômico, que cobram impostos sobre a riqueza líquida. A Espanha, a Noruega e a Suíça.
Aqui na América Latina o assunto da taxação das grandes riquezas tem sido cada vez mais colocado em pauta. Parlamentares de países como Chile, México, Peru e Costa Rica, por exemplo, começaram a tramitar propostas nesse sentido com a chegada da pandemia da covid-19. Na Argentina, como já foi falado aqui, foi aprovado o imposto extraordinário para lidar com essa situação emergencial que a gente vive há pouco mais de dois anos. Na Bolívia, também aqui na América Latina, foi promulgada no final de 2020 uma lei de taxação anual sobre fortunas superiores a 30 milhões de bolivianos, a moeda local, a alíquota é gradual entre 1,4 e 2,4% e também vale para estrangeiros que moram no país. E tem casos mais antigos também como do Uruguai e da Colômbia. No Uruguai, a cobrança foi estabelecida em 1989, então há mais de 30 anos, e vale tanto para pessoas físicas quanto jurídicas. E na Colômbia a tributação foi instituída em 1936, muito tempo atrás. E, depois de muitas vidas e vinda, em 2019 foi estabelecido que ela recairia só sobre o patrimônio de pessoas físicas superior a 5 bilhões de pesos, com uma alíquota proporcional de 1%.
Em outros continentes têm dois países que têm debatido sobre o tema atualmente são a África do Sul e Cingapura. E a gente se pergunta, será que isso vai ser um assunto em pauta globalmente daqui para frente? É esperar para descobrir. Eu sou Rafaela Carvalho e toda semana eu te ajudo a desvendar um termo importante para a cultura de doação. Até a próxima.
Roberta: Valeu, Rafa. Como a gente pode ver, é um tema muito complexo que varia muito de país para país, afinal cada país, dentro da sua economia, vai ter um recorte diferente do que é uma média de renda, do que é elite e do que é riqueza, e às vezes até mesmo dentro de um país porque a gente sabe mesmo no Brasil como as realidades são muito diferentes. Os ricos de alguns dos nossos centros urbanos são muito diferentes dos ricos de outras regiões mais afastadas, mas algumas questões são comuns em boa parte dos debates. Por exemplo, muitos dizem que ter um imposto sobre grandes fortunas fará com que os mais ricos acabem levando o seu dinheiro para outro lugar onde não haja esse tipo de tributo.
Artur: Um caso bem ilustrativo disso, que saiu bastante na imprensa na época, foi quando o ator francês, Gérard Depardieu, decidiu mudar sua residência para Bélgica, lá em 2012, porque a França tinha aumentado os impostos sobre os mais ricos.
Outro argumento é que uma taxação sobre o patrimônio líquido reduziria a quantidade de capital disponível, o que poderia, nas palavras desses que questionam, afetar o empreendedorismo e a criação de novos negócios.
Roberta: Porque diminuiria o dinheiro para investir disponível. Mas convenhamos né? Que isso parece ser dos mesmos criadores do “Tiras malas que a passagem de avião vai ficar mais barata”, “Reveja a carteira de trabalho que vai criar mais empregos”. Isso é só para citar dois de muitos questionamentos, mas, afinal taxar grandes fortunas faz mesmo diferença quando a gente fala em resolver problemas de justiça social? Impossível não é, temos aí a ONU para provar que, em alguns momentos, a gente consegue sentar na mesma mesa. Mas é bem difícil isso acontecer e também se aprofundar nesse tema sem um especialista. A gente aqui é mais das opiniões de bar. Então vamos chamar o nosso convidado de hoje que conversou com o Arthur e com certeza vai ajudar a entender melhor tudo isso o Jefferson Nascimento é coordenador de pesquisa e incidência e justiça social e econômica da Oxfam Brasil.
Artur: Jefferson, seja muito bem-vindo ao Aqui se Faz, Aqui se Doa.
Jefferson: Muito obrigado pela oportunidade.
Artur: Jefferson, para a gente começar a conversa eu queria que você contasse um pouquinho para quem não conhece, o que é Oxfam Brasil. É uma ONG? É brasileira? É ligada a alguma organização internacional, empresa, partido político? É importante aqui a gente conhecer bem a fonte.
Jefferson: A Oxfam Brasil é uma organização da cidade civil brasileira, ela faz parte de uma Confederação Internacional. É uma organização que tem como missão contribuir para um país mais justo, sustentável e solidário, tem como missão principal justamente ter esse olhar focado, principalmente, no combate às desigualdades no plural. A gente fala de desigualdade social, econômica, de gênero de raça. Então essa é a missão da organização. É isso que a gente tem trabalhado nos últimos anos.
Artur: Agora indo direto para o nosso assunto principal. O relatório “Lucrando com a dor”, publicado pela Oxfam em maio deste ano, evidencia o aumento da riqueza das grandes empresas e empresários durante a pandemia. Período no qual surgiu no mundo um novo bilionário a cada 30 horas, o que não seria, necessariamente, um problema caso, simultaneamente, a gente tivesse vendo um aumento da extrema pobreza no mundo, mas aqui no Brasil significativamente. Vale destacar até um outro relatório recente aí da Oxfam que mostrou que no último ano 14 milhões de brasileiros entraram no Mapa da Fome, que é o limite da condição humana. Jefferson, queria que você comentasse esse movimento antagônico, do popular de cima sobe e o de baixo desce ou então o famoso “Enquanto uns choram, outros vendem lenço”. Queria que você explicasse se isso aconteceu durante a pandemia simplesmente ou por causa da pandemia.
Jefferson: A pandemia, na verdade, ela veio agravar um cenário que a gente consegue verificar ao longo do tempo. O ciclo de notícias está tão intenso que a gente tem, infelizmente, notícias ruins se sucedendo. Então, primeiro você menciona o relatório “Lucrando com a dor”, que foi lançado em paralela a reunião de Davos, do Fórum Econômico Mundial, que aconteceu no final de maio, é a primeira reunião de dados que acontece presencialmente desde o início da pandemia e a gente utilizou essa oportunidade justamente pra jogar a luz nesse cenário de aumento da riqueza do super ricos.
Então a gente teve aí nesse período dramático não só do Brasil, mas de todo o planeta o surgimento de mais super ricos. Uma casca aí de quase 3 mil pessoas que são esses bilionários. Desses quase 2.668 bilionários que a gente tem no início de 2022, números levantados pela Forbes, a gente tem 573 a mais do que antes da pandemia. Parece uma coisa meio inimaginável num cenário tão dramático a gente ter muito mais pessoas muito ricas. E o total da fortuna desse conjunto ainda aumentou quase US$ 4.000.000.0000.0000 nesse período.
E é importante mencionar que aumentou a condição de vulnerabilidade, colocamos alguns números a respeito, como, por exemplo, do aumento da pobreza no mundo. A gente tem uma marca de quase mais de 260 milhões de pessoas que vão estar na extrema pobreza no planeta, e 3.3 bilhões de pessoas na pobreza, então, quase metade do planeta está em condição de pobreza. É um cenário assim disseminado, mas ele afeta quase todo mundo. A vida de 99% da população do planeta piorou, e, quando a gente pega os mais pobres e as pessoas em condições de miséria piorou muito mais, mas a condição de praticamente todo mundo piorou. E o 0.1%, que são esses bilionários, a condição melhorou muito de vida nesse período.
Um dos elementos que a gente ressalta neste relatório, e em vários outros relatórios, é justamente como esse cenário, esse aumento da concentração, um dos elementos importantes é o fato de que as condições para a mudança desse cenário ela, de alguma maneira, está paralisado, porque o poder político também ele tá concentrado nas mãos dessas pessoas que têm maior poder econômico. Então, poder econômico e poder político andam de mãos dadas. As medidas necessárias para desfazer um pouco esse nó está, justamente, nas mãos daquelas pessoas que estão mais se beneficiando nesse cenário.
É um quadro bastante cruel. Uma percepção que a própria sociedade tem. As pessoas sabem que a vida piorou, as pessoas sabem que a gente tem mais pobreza no mundo e no Brasil. A Oxfam Brasil fica em São Paulo e quem mora em São Paulo não precisa ler no jornal que a pobreza voltou, que a fome voltou, basta ela andar pela cidade que ela vai reparar isso. Então mesmo com esse cenário a gente tem essas grandes discrepâncias com relação até às próprias condições para mudar esse cenário tão dramático.
Artur: Jefferson, eu vou pedir aqui uma uma licença para ser bem direto aqui e perguntar sem meias palavras. Os mais ricos enriquecem à custa do empobrecimento dos mais pobres?
Jefferson: Os mais ricos se beneficiam de mecanismos que, de certo modo, perpetuam essa condição da desigualdade como um todo. E dentro da desigualdade também há um cenário de pobreza.
O cenário da pandemia ele mostra uma realidade global, então a desigualdade também é um cenário de desigualdade no mundo todo. No Brasil temos muitos exemplos, então não precisamos olhar para fora para ver que a desigualdade está aumentando, mas é um cenário que vai além das fronteiras do nosso país. E o cenário da pandemia ainda ressalta isso. Antes da pandemia a gente já tinha dados mostrando que a desigualdade está aumentando, então a condição de vida das pessoas no mundo todo está piorando. A pandemia meio que passa meio que um marca texto falando “Olha, é isso mesmo aqui. Se antes você não estava reparando, agora a gente tá falando é isso que está acontecendo”
Artur: O relatório “Lucrando com a dor”, de forma bem propositiva o que nem sempre é comum nesse tipo de estudo, essa é uma característica da Oxfam que eu prezo muito, pois esses relatórios são muito diretos, vão direto ao ponto. Isso é muito bom. O relatório trata de uma sugestão de ter um imposto temporário, uma experiência parecida com o que aconteceu na Argentina, considerando o momento catastrófico que a gente tem. Então seria criar um imposto sobre os lucros excessivos de grandes empresas e pessoas físicas que acumulam maiores patrimônios, mas também uma taxação permanente sobre os super ricos, como que funcionaria isso em linhas gerais e que experiência das que vocês viram pelo mundo você acha que tem sido mais bem sucedida na taxação de super ricos?
Jefferson: Antes só passar as recomendações do relatório, como você bem mencionou, são três recomendações de duas naturezas, na verdade as três recomendações, elas estão voltadas justamente com o tema dos impostos.
A gente está falando especificamente aqui de ação dos Estados. Então os estados têm que intervir no sistema de impostos com três medidas de duas naturezas. A primeira natureza são medidas de caráter temporário que são medidas voltadas especificamente para cenário da pandemia, então duas essas medidas têm esse caráter temporário que é justamente você instituir a taxação, a primeira delas voltada para as pessoas físicas, voltadas para os lucros que os bilionários tiveram nesse período da pandemia. A ideia é olhar para esse conjunto de pessoas que ganharam muito dinheiro dentro desse período a gente ter uma medida do que foi excessivo dentro desse período. Então é uma taxa sobre esse lucro excessivo que essas pessoas tiveram. O documento traz, inclusive, falando que se você tivesse essa taxação sobre esses lucros exorbitantes, sobre esses super-bilionários – acho que a gente cita o Jeff Bezos ou o Elon Musk – Se tivesse essa taxação sobre esses lucros exorbitantes ainda assim eles seriam mais ricos agora do que eles eram antes da pandemia. O Elon Musk é um exemplo porque a fortuna dele se multiplicou nove vezes desde o início da pandemia. Uma medida voltada primeiro para pessoa física e outra voltada para as pessoas jurídicas, para as empresas.
A gente fala de pegar as maiores empresas, as 32 maiores, e taxar os lucros excessivos durante a pandemia, também temporário. E outra recomendação, essa de caráter permanente, você estabelecer uma taxação permanente sobre grandes fortunas.
Eu aproveito essa última medida trazer para o caso do Brasil, esse é um relatório global, então a gente não tá falando especificamente da situação apenas do nosso país, mas essa última recomendação de caráter permanente ela fala conosco porque, no Brasil, a gente tem esse mecanismo de taxação de grandes fortunas previsto na nossa Constituição. É algo que a gente já tem previsto por aqui na Constituição no artigo 153, inciso VII. Lá se fala sobre a taxação de grandes fortunas e ela nunca foi regulamentada. Então é algo que o legislador constitucional já previu em 1988 e a gente nunca foi adiante com esse debate.
Há grandes debates a respeito disso. Eventualmente é um imposto que não é muito eficiente ou é um imposto que não agrega muito na carga tributária brasileira. O Estado brasileiro arrecada mais de R$ 1.000.000.000.000 por ano com impostos e você arrecadaria com imposto sobre grandes fortunas cerca de R$ 30.000.000.000, perto desse grande montante não é algo muito grande. Mas, de toda maneira, 30 bilhões de reais hoje já seria um fortalecimento importante, por exemplo, para o programa de transferência de renda em um cenário de aumento da pobreza da miséria. E aí não dá para também sair daquele elemento que você trouxe anteriormente que é o próprio aspecto moral.
Moralmente é injustificável que a gente tenha essa possibilidade de arrecadar mais impostos com aquelas pessoas que são muito ricas e a gente abre a mão disso nesse cenário de aumento da pobreza, da miséria e da fome, então não tem justificativa moral pra gente deixar de aplicar aquilo que a lei diz. Esse é aquele cenário perfeito que o elemento a percepção moral e aquilo que a própria legislação já prevê, eles se encontram de uma maneira perfeita.
Artur: Um questionamento que a gente ouve, não só aqui mas tem alguns casos na Argentina, por exemplo, é do uso desses recursos pelo Estado. Muitas vezes o Estado que tem histórico de baixa eficiência na aplicação dos recursos ou até alguns casos criminais com algumas instâncias públicas, histórico de corrupção. Trazendo a voz do povo, ou pelo menos de um extrato dele, como que a gente garante que esse dinheiro realize o seu fim e não se perder aí nos meandros dos orçamentos públicos e cair, eventualmente, em algum escândalo de corrupção? Dá para carimbar esses recursos para ele ter um fim social? Você falou aqui, por exemplo, desse dinheiro ir para algum programa social de transferência de renda direta. É possível fazer isso? Tem experiências nesse sentido?
Jefferson: Acho que é uma ótima conexão que você faz e eu aproveito para trazer algumas informações de um outro relatório que a gente publica periodicamente. É uma pesquisa que a gente faz junto com o Instituto Datafolha a respeito das percepções da população brasileira com relação a desigualdades. A última publicação foi em maio do ano passado, e estamos trabalhando na próxima edição, mas algumas das questões que você traz essa pesquisa ela também retrata de alguma maneira esse cenário.
Uma das questões que a gente pergunta nessa pesquisa é “As pessoas acham que a desigualdade é um problema?” E 86% das pessoas acredita que o progresso do Brasil está condicionado à redução de desigualdades entre muito ricos e muito pobres. 86%.
E quando você pergunta “Ok desigualdade é algo que tem que ser lidado, a gente tem que combater a desigualdade. Mas quem tem que fazer isso?” 85% acham que isso é uma prioridade dos governos. Então o Estado é o responsável prioritário por reduzir desigualdades, então isso significa que a desigualdade é reduzida por meio de políticas públicas, então a gente também faz perguntas sobre políticas públicas, que custam dinheiro, o Estado agir para reduzir desigualdades tem um custo, algo que financia o estado justamente impostos. Perguntamos “Você é a favor de que haja o aumento de imposto sobre pessoas muito ricas para financiar políticas sociais?” 84% acreditam que sim. 8 em cada 10 brasileiros é favorável à que aumentem os impostos das pessoas muito ricas para financiar políticas sociais. Essa é uma pesquisa que a gente fez três vezes, 2017, 2019 e 2021.
Artur: Jefferson, papo para a gente seguir em outros episódios, temos muitos fios aqui que puxamos e precisamos continuar mais para frente, mas o nosso tempo aqui urge. Então vou te convidar aqui pra gente passar pra uma parte mais amena do papo e mais pessoal que é a rodada relâmpago. Eu vou te fazer cinco perguntas para você responder de bate pronto, mas seu posicionamento como pessoa física, como filantropo pessoa e não instituição. Primeira pergunta: Qual foi a sua doação mais recente?
Jefferson: A minha doação mais recente foi para Paróquia São Miguel Arcanjo aqui de São Paulo que é a paróquia no qual atua o Padre Júlio Lancellotti que é um fim exemplo para todos nós defensores de Direitos Humanos o seu trabalho importante com relação à população em situação de rua aqui na cidade de São Paulo. Ainda mais agora que a gente está num contexto de começou o inverno recentemente, então é ainda mais necessário o apoio a essa população crescente em situação de rua aqui na cidade de São Paulo.
Artur: Qual é a sua causa do coração, Jefferson?
Jefferson: A minha causa do coração são os Direitos Humanos em seus mais amplos aspectos. Desde a faculdade é a minha prioridade de atuação, a defesa de direitos, pensar esses aspectos e tratar como direitos fundamentais de todas as pessoas.
Artur: E o que você doa, além de dinheiro?
Jefferson: Eu tento ajudar as pessoas da melhor forma possível, compartilhando informações. Eu sou uma pessoa muito ativa nas redes sociais sempre tento compartilhar aquilo que eu tenho contato, informações, vagas para trabalhar no terceiro setor e também para aumentar essa quantidade de pessoas engajadas para um país mais justo e solidário.
Artur: Conta pra gente uma organização ou um projeto que você admira ou apoia e as pessoas conhecem pouco
Jefferson: A Coalizão Negra por Direitos é uma articulação ampla que congrega mais de uma centena de organizações negras por todo o Brasil e que foi uma articulação criada a partir do momento que o atual governo federal foi eleito. De certa maneira, ela é um pouco um produto desses ataques à própria sociedade civil, mas fazendo com que esses ataques se transformassem em potência, de mobilização e de articulação política. Acho que é importante dentro desses vários cenários de desigualdades que a gente tem nosso país a gente pensar na questão da desigualdade racial como sendo algo estruturante e a Coalizão Negra por Direitos tem sido tem tido um papel de protagonismo nesse engajamento contra o racismo estrutural no Brasil.
Artur: Jefferson, quando você quer convencer alguém a doar, a apoiar um projeto social, qual o argumento matador?
Jefferson: Os dados que eu mostrei provam que o brasileiro é solidário. Isso é da nossa característica, ser uma pessoa que se preocupa com os demais. Por mais que não pareça, por mais que a gente esteja em um contexto político de violência, de acirramento, eu acho que isso é algo passageiro. Quando você faz as perguntas para as pessoas elas dão essa resposta de solidariedade, de acolhimento, de apoio.
E, muito da falta de políticas públicas no combate à fome, a pobreza nos últimos tempos foi, de uma certa maneira, suprida pela mobilização das pessoas. A gente tem diversas exemplos de pessoas que recebem doação de cesta básicas, estavam com muita dificuldade de se alimentar e receberam uma doação de uma cesta básica. A vizinha não conseguiu receber a doação e ela divide aquilo que ela tem. Ela tem pouco para alimentar sua família e ela pega esse pouco para dividir com com a pessoa que tá do lado. A gente não pode se furtar esse elemento, se a gente tem essa capacidade de se engajar mais nisso a gente tem que fazer. Esse é o imperativo da nossa própria natureza.
Artur: Seu argumento matador é “Siga o seu coração, ele já decidiu que quer ajudar o próximo, é só ouvir o que ele tá falando”.
Jefferson: Exatamente.
Artur: Perfeito. Jefferson, muito obrigada pela conversa de hoje. Há muito tempo a gente queria tratar desse assunto que soa espinhoso, mas que precisa urgentemente ser tratado. Eu gostaria que esse fosse o primeiro de muitos papos aqui com com você e com a Oxfam sobre esse assunto pra gente tentar evoluir essa pauta.
Jefferson: Sem sombra de dúvida. Super obrigado pelo convite, estamos sempre abertos para dialogar mais.
Artur: Obrigado
Roberta: A gente podia ficar horas aqui falando sobre a taxação de fortunas, inclusive a gente faz isso nas nossas horas vagas, mas imagina se países e grandes instituições internacionais debatem isso há anos e ainda não chegaram no consenso a gente querer trazer uma resposta em meia hora de programa também é um pouco pretensioso, né, Arthur?
Artur: Antes dos nossos comentários eu queria chamar a Duda Schneider que vai dar uma um respiro aqui pra gente falando sobre os produtos com renda revertida no Merchan do Bem.
Duda Schneider: Oi gente, eu sou a Duda Schneider e esse é mais um Merchan do Bem. A dica de hoje são os acessórios da loja Bela Wonder. São colares e pingentes folheados em prata e também luminárias em formato de golfinhos que revertem uma doação a cada compra realizada no site. Os projetos beneficiados são o Instituto Limpa Brasil e o projeto Verdemar, duas instituições que atuam na causa ambiental e na preservação da vida marinha. Além das doações revestidas pelo site, todos os produtos vendidos oferecem a possibilidade do comprador acompanhar a vida de um golfinho ou tartaruga marinha que são monitorados pelas organizações. Quem adquire um produto recebe por e-mail o nome, idade, tamanho e fotos do animalzinho resgatado, além de ter acesso às câmeras que filmam o tratamento deles. Incrível, né? Para apoiar o projeto e conhecer esses produtos acesse https://belawonder.com/. Espero que tenham gostado e até a próxima.
Artur: Roberta, em janeiro mais de 100 milionários e bilionários assinaram uma carta aberta, que foi publicada durante o encontro virtual do Fórum Econômico Mundial, na qual eles pediam para pagar mais impostos. Eles admitiram que o atual sistema tributário não é justo e que deveriam pagar mais para gerar justiça social.
Roberta: Impressionante. A gente já falou aqui em alguns episódios sobre a importância e a necessidade de uma atitude mais proativa dos mais ricos no sentido de buscar soluções para os problemas sociais, até porque você pode tentar viver numa bolha, mas como a gente viu na pandemia não é possível. Viver numa bolha não é a melhor maneira de se viver também. Além disso, tem uma questão ética básica filosófica, que é o quanto você precisa para viver? Como pode fazer sentido a pessoa ter tantos bilhões? Ela jamais será capaz de usar nem que ela viva 100 anos. Tem muitas facetas para discutir, mas a gente tem, de fato, no Brasil, muitos milionários e bilionários engajados em questões sociais e participando de movimentos. Inclusive, o Movimento Bem Maior é um bom exemplo disso, que é um dos nossos apoiadores aqui, e que é formado por super ricos que têm uma consciência de que o dinheiro precisa ser redistribuído, que as coisas precisam ser melhoradas.
Acho que há esperança das coisas mudarem, mas, de fato, exige uma articulação política que é extremamente complexa. Não basta boa vontade de 100 bilionários de assinar um abaixo-assinado e sim de governos tomarem decisões e isso é bem complicado. Mas essa é outra questão que a gente tem que colocar é que quando a gente fala sobre a taxação de ricos não é só essa visão Robin Hood de “Vamos tirar dos ricos para dar aos pobres”. Eu acho que precisa ser entendido que, no contexto ideal, taxando os mais ricos podemos desonerar os mais pobres.
No Brasil, a arrecadação de impostos está sobre o consumo, então acaba afetando os mais pobres porque absolutamente tudo que se compra se paga em imposto. Então, se você tem uma outra fonte de arrecadação que está lá no topo da pirâmide, a gente poderia, em teoria sem bagunçar a balança econômica, conseguir desonerar para que o consumo e a vida dos mais pobres fique mais fácil, ajudando a trazer a justiça social e a desconcentração de renda. Então não é só um que “Vão tirar de você para dar para uma ONG” é, especialmente, olhar pra grande balança econômica e ver o que a gente faz quem não pode pagar menos e quem pode pagar mais.
Artur: Eu acho que é importante aqui a gente colocar alguns pingos nos I’s nessas discussões para faltar empatia pros lados aqui. Definir o que é ser rico e o que é riqueza em um país tão desigual quanto o nosso é difícil. A gente mesmo deu alguns dados ali que o 1% mais rico começa com R$ 28.000 por mês, só que a gente pega ali o topo desse 1% que são milhões e milhões e milhões todos os meses.
Seja crítico mesmo, participe da sociedade, a democracia é ser crítico em relação ao mundo que a gente vive, estimule que parlamentares melhores sejam eleitos que é só assim que o dinheiro vai ser melhor usado. Mas, se ainda assim você não conseguir lidar com essa ideia de que o Estado vai cuidar bem do seu dinheiro para gerar impacto social positivo, procure o terceiro setor. É muito eficiente, bem gerido, e eu vou dizer, por experiência própria, que é a escolha que a gente faz majoritariamente no Grupo MOL, na Editora MOL. A gente trabalha fazendo essa ponte para arrecadar dinheiro para o terceiro setor para gerar o impacto social.
Se você tem dúvida se a justiça social vai ser feita, apoie ONG’s eficientes, tenho certeza absoluta que você vai satisfazer com o resultado que isso vai gerar. E eu posso dizer que nesse momento que na MOL estamos comemorando a quebra da barreira de R$ 50.000.000 doados e a gente está apurando como esse dinheiro impactou a sociedade, a gente está muitíssimo satisfeito com essas mais de 1.400 doações que a gente fez ao longo de muitos anos. Trazendo pouquíssimos números aqui, a gente conseguiu fazer com que 80.000 crianças e adolescentes muito pobres fossem ao dentista graças à Turma do Bem. A gente conseguiu construir um hospital com o GRAACC, que em nove anos desde que foi aberto, já fez mais de 45.000 sessões de radioterapia, e a ala de radioterapia sequer existia, foi feito com dinheiro que a MOL doou. 3.400 novos casos de adolescentes com câncer foram atendidos nesse Hospital.
Duas ONGs de Santa Catarina, que trabalham com pacientes com problemas renais, a gente comprou o equipamentos para fazer mais de 98 mil horas de hemodiálise, 2.500 sessões de pé de açude, procure saber a importância disso e conversa com pais que tem uma criança uma deficiência motora e tal a importância disso. Próteses, órteses instaladas e atendimentos oftalmológicos para mais de 2.500 pessoas. Enfim, se quer falar de justiça social e impacto na vida das pessoas eu posso garantir para vocês que há muitos mecanismos. Se você tiver afim de dar o seu dinheiro para isso, se tiver dúvida conte com a gente pra te ajudar a encontrar os caminhos. Tá bom? Desculpa pela fala muito longa aqui, mas isso é um tema bem sensível para mim por isso me estiquei.
Roberta: Belo publi editorial, você falando assim, eu quase me senti bilionária, apesar de ainda morar de aluguel.
Artur: Estamos a caminho. Estamos a caminho do conceito de bilionário do Jason.
Roberta: Por hoje é isso, pessoal. Mas, como sempre, o papo como sempre continua nas nossas redes sociais. Segue lá gente no Instagram no Linkedin. Nós somos o @institutomol. Semana que vem a gente volta.
Esse podcast é uma produção do Instituto MOL, com o apoio do Movimento Bem Maior da Morro do Conselho Participações e da AMBEV, além da divulgação do Infomoney. Esse episódio teve produção de Mônica Herculano, o roteiro final e a direção são de Ana Júlia Rodrigues e Vanessa Henriques, artes da Gláucia Ribeiro do Instituto MOL, e as colunas são de Rafaela Carvalho e Duda Schneider da Editora MOL. A edição de som é do Bicho de Goiaba Podcast. Até mais.